Togarma

Togarma, descendente de Noé, patriarca dos povos da Anatólia e Cáucaso. Lembrado por ser muito hábil por trabalhar com cavalos.

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Togarma é um personagem bíblico mencionado na Tabela das Nações, no livro de Gênesis, como um dos descendentes de Noé.

Embora sua menção seja breve, ele é apresentado como o ancestral de um povo com relevância comercial e militar, especialmente em profecias posteriores do profeta Ezequiel. Sua história conecta a genealogia pós Dilúvio com a geopolítica do Antigo Oriente Próximo.

Neste artigo apresentamos a origem de Togarma, suas aparições na Bíblia, as identificações históricas propostas e o seu papel nas tradições de diferentes povos, como armênios, georgianos e turcos.

Nascimento e família de Togarma

A história de Togarma começa no contexto do repovoamento da Terra após o Dilúvio, conforme descrito em Gênesis.

Ele pertence à terceira geração de descendentes de Noé, um período em que as famílias começaram a se espalhar para formar as nações do mundo antigo.

Sua genealogia o insere na linhagem de Jafé, que, segundo a Tabela das Nações, deu origem aos povos que se estabeleceram ao norte e a oeste da Mesopotâmia.

O registro bíblico, embora conciso, o posiciona como uma figura patriarcal, cuja descendência desempenharia um papel no cenário mundial.

Ilustração de Togarma
Ilustração de Togarma

Jafé, o avô

Jafé é um dos três filhos de Noé e o ancestral da linhagem da qual Togarma descende. Ele recebeu uma bênção de seu pai, registrada em Gênesis 9:27, que indicava uma grande expansão territorial para seus descendentes.

Historicamente, a linhagem jafética é associada aos povos indo-europeus que se espalharam pela Europa e por partes da Ásia.

Gômer, o pai

Gômer é o filho mais velho de Jafé [1]. Muitos historiadores e teólogos identificam Gômer com os cimérios, um povo nômade e guerreiro que habitava as estepes ao norte do Mar Negro.

Os cimérios são conhecidos em registros históricos por suas invasões na região da Anatólia (atual Turquia) e no Cáucaso por volta do século VIII a.C. [2].

Ilustração de Gômer, filho de Jafé
Ilustração de Gômer, filho de Jafé

Asquenaz, irmão

Asquenaz é listado em Gênesis 10:3 como o primogênito de Gômer. Historiadores o conectam aos citas, um povo guerreiro e nômade mencionado pelo profeta Jeremias. Séculos depois, seu nome passou por uma transformação notável.

Na Idade Média, “Asquenaz” tornou-se o nome hebraico para a Alemanha, e os judeus daquela região passaram a ser conhecidos como asquenazes, uma das maiores comunidades judaicas do mundo.

Rifate, irmão

Rifate é o segundo filho de Gômer, conforme registrado em Gênesis 10:3. Dentre os três irmãos, a identidade histórica de seus descendentes é a mais debatida e incerta.

A associação mais antiga e influente vem do historiador judeu Flávio Josefo, que o conectou aos paflagônios.

Este era um povo antigo que habitava a costa do Mar Negro, em uma região da Anatólia (atual Turquia), mas outras teorias menos aceitas também existem.

Ilustração de Rifate
Ilustração de Rifate

História de Togarma

O nome de Togarma aparece em três passagens das Escrituras, que fornecem a base para a sua identidade. As menções estão nas genealogias de Gênesis e 1 Crônicas, e em duas profecias importantes no livro de Ezequiel.

Cada uma dessas referências adiciona uma camada de informação sobre Togarma.

Elas o movem de um simples nome em uma árvore genealógica para o patriarca de uma nação com características comerciais e militares bem definidas, além de um papel nos eventos do fim dos tempos.

Tabela das Nações (Gênesis e Crônicas)

A primeira aparição de Togarma está em Gênesis 10:3, na Tabela das Nações. O texto diz: “E os filhos de Gômer são: Asquenaz, e Rifate, e Togarma” [1]. Esta lista estabelece sua filiação e seu lugar entre os descendentes de Jafé.

Esta mesma genealogia é confirmada em 1 Crônicas 1:6, o que reforça sua importância nos registros históricos de Israel [3].

Essas passagens são o ponto de partida para qualquer estudo sobre Togarma, estabelecendo-o como o ancestral de um povo ou região.

A dispersão dos descendentes de Sem, Cam e Jafé (mapa do Livro Histórico e Atlas de Geografia Bíblica de 1854) - Tabela das nações
A dispersão dos descendentes de Sem, Cam e Jafé (mapa do Livro Histórico e Atlas de Geografia Bíblica de 1854)

Comércio com Tiro (Ezequiel 27)

O profeta Ezequiel oferece detalhes concretos sobre a nação de Togarma. Em uma lamentação sobre a rica cidade comercial de Tiro, Ezequiel lista seus parceiros comerciais.

Em Ezequiel 27:14, ele afirma: “Os da casa de Togarma trocavam pelas tuas mercadorias cavalos, e ginetes, e mulos” [4]. Esta passagem revela que o povo de Togarma era conhecido por sua criação e comércio de equinos.

Cavalos e mulas eram recursos valiosos no mundo antigo, usados tanto para o transporte quanto para a guerra. A menção de “casa de Togarma” (Bet-Togarma) sugere uma dinastia ou uma região específica conhecida por essa especialidade.

Profecia de Gogue (Ezequiel 38)

A segunda menção em Ezequiel coloca Togarma em um contexto profético sobre o fim dos tempos. No capítulo 38, ele é listado como um dos aliados de Gogue, da terra de Magogue, que liderará uma grande coalizão para invadir Israel.

Ezequiel 38:6 diz: “Gômer e todas as suas tropas; a casa de Togarma, do extremo norte, e todas as suas tropas, muitos povos contigo” [5]. Esta profecia posiciona ele como uma força militar vinda “do extremo norte”.

A referência a “todas as suas tropas” indica um poderio militar considerável.

Sua participação nesta invasão escatológica tem sido objeto de muitas interpretações teológicas ao longo da história, ligando seus descendentes a eventos futuros.

Pintura Persa do século XVI que ilustra a construção de um muro (Magogue)
Pintura Persa do século XVI que ilustra a construção de um muro (Magogue)

Identificação histórica e geográfica de Togarma

Identificar a localização exata da “casa de Togarma” tem sido um esforço de estudiosos por séculos. As pistas bíblicas, especialmente as de Ezequiel, apontam para uma região ao norte de Israel, famosa por seus cavalos e sua capacidade militar.

Combinando as referências bíblicas com registros históricos de outros povos, como hititas e assírios, além de tradições posteriores, é possível traçar um quadro consistente da provável identidade e localização dos seus descendentes.

Togarmo e seus filhos
Togarmo e seus filhos

Conexão com Til-Garimmu

A identificação acadêmica mais aceita para Togarma é a cidade-estado conhecida como Tegarama pelos hititas e Til-Garimmu pelos assírios [7]. Esta cidade estava localizada no sudeste da Anatólia, na região da antiga Capadócia, hoje parte da Turquia.

Essa localização se encaixa perfeitamente com a descrição bíblica. A região era montanhosa e ideal para a criação de cavalos, e sua posição a colocava “ao extremo norte” da perspectiva de Israel.

Registros assírios confirmam que Til-Garimmu era um centro militar e um importante fornecedor de cavalos, exatamente como descrito em Ezequiel 27:14. A semelhança entre os nomes Togarma e Tegarama/Til-Garimmu é muito forte.

Ligação com os Frígios

O historiador judeu Flávio Josefo, que escreveu no primeiro século d.C., identificou Togarma como o ancestral dos frígios.

Os frígios foram um povo que habitou a parte centro-oeste da Anatólia.

Outros escritores cristãos antigos, como Jerônimo e Isidoro de Sevilha, seguiram essa mesma interpretação.

Embora os frígios não estivessem exatamente na mesma localização de Til-Garimmu, eles também eram um povo anatólico, mantendo a identificação geral na mesma região.

Ilustração dos Frígios
Ilustração dos Frígios

Togarma nas tradições medievais

Além das identificações históricas, o nome de Togarma foi reivindicado como ancestral por vários povos, especialmente na região do Cáucaso. Essas tradições, embora não sejam registros históricos diretos, mostram a importância do nome na formação da identidade dessas nações.

Essas narrativas foram preservadas em crônicas medievais e continuam a fazer parte da cultura de armênios, georgianos e outros povos da região.

Ancestral dos povos do Cáucaso

Tanto as tradições armênias quanto as georgianas consideram Togarma o patriarca de todos os povos do Cáucaso. Nesses relatos, ele é frequentemente chamado de Thargamos.

Tradição Armênia

O historiador armênio do século V, Moisés de Chorene, escreveu em sua “História da Armênia” que os armênios descendem de Haik, que era filho de Tiras e neto de Gômer [5].

Em algumas versões da tradição, Haik é filho do próprio Thargamos (Togarma).

Essa conexão é uma parte central da identidade nacional armênia. A localização histórica da Armênia, famosa por seus cavalos de guerra, alinha-se perfeitamente com as descrições bíblicas e históricas dele, fortalecendo essa reivindicação tradicional.

Mapa histórico do Cáucaso antes do nascimento de Cristo
Mapa histórico do Cáucaso antes do nascimento de Cristo

Tradição Georgiana

De forma semelhante, as “Crônicas Georgianas”, atribuídas a Leonti Mroveli, narram que Thargamos foi o pai de oito filhos, que se tornaram os ancestrais de todos os povos do Cáucaso.

Nesta tradição, o patriarca da nação georgiana, Kartlos, é um dos filhos de Thargamos. Isso faz de Togarma uma figura paterna tanto para os armênios quanto para os georgianos.

Descendência mítica: Os filhos de Thargamos

As crônicas georgianas listam os oito filhos de Thargamos, cada um originando um povo ou região do Cáucaso [4, 5].

  • Hayk: Considerado o primeiro filho e fundador da nação armênia, que herdou a região do Monte Ararat.
  • Kartlos: O ancestral dos georgianos (Kartvelians), que se estabeleceu a nordeste de Ararat e fundou a nação da Geórgia.
  • Bardos: O patriarca dos albaneses caucasianos, um antigo povo que vivia no território do atual Azerbaijão.
  • Movkan: O fundador do povo Movkan, também localizado na região da Albânia Caucasiana.
  • Lekos: O ancestral do povo Lek, que habitava as montanhas do Daguestão, no norte do Cáucaso.
  • Heros: O fundador do povo Herans, que se estabeleceu em uma região na fronteira da Geórgia e do Azerbaijão.
  • Caucasianos (Kovkases): O ancestral dos povos do Cáucaso do Norte, que segundo a tradição seriam os inguches e chechenos.
  • Egros: O fundador do povo Egers, que habitava a região da Cólquida, na Geórgia Ocidental, perto do Mar Negro.

Conexão com os povos turcos

Durante a Idade Média, várias tradições judaicas começaram a associar Togarma com os povos turcos, que se tornaram proeminentes na Eurásia. Essa conexão é mais famosa na correspondência dos cazares.

Os cazares foram um povo de origem turca que estabeleceu um vasto império entre o Mar Negro e o Mar Cáspio e, notavelmente, sua elite se converteu ao judaísmo.

Carta do Rei Cazar Joseph

Por volta do ano 960 d.C., o rei cazar Joseph ben Aaron escreveu uma carta a um oficial judeu na Espanha. Nela, ele traçou a genealogia de seu povo diretamente a Jafé, através de Togarma [7].

O rei Joseph afirmou que Togarma teve dez filhos, que se tornaram os ancestrais de diferentes tribos turcas. Esta carta é um documento histórico de grande valor.

A lista dos dez filhos de Togarma, segundo o rei Joseph, inclui:

  • Agyor (possivelmente os Uigures)
  • Tiros (possivelmente os Göktürks)
  • Ouvar (os Ávaros)
  • Ugin (os Turcos Oghuz)
  • Bisal (os Pechenegues)
  • Tarna
  • Khazar (os Cazares)
  • Zanor
  • Balnod (provavelmente os Búlgaros)
  • Savir (os Sabires)

Lista do Livro de Josippon

O Josippon, uma crônica histórica judaica medieval, também lista dez filhos de Togarma, com algumas variações. Esta versão se tornou muito influente na literatura rabínica [10, 11].

A lista do Josippon inclui:

  • Kwzar (os Cazares)
  • Pyṣynq (os Pechenegues)
  • ˀln (os Alanos)
  • Bwlgr (os Búlgaros)
  • Knbynˀ (identidade incerta)
  • Ṭwrq (os Turcos, possivelmente Göktürks)
  • Bwz (corrigido por alguns para se referir aos Turcos Oghuz)
  • Zkwk (identidade incerta)
  • ˀwngr (os Húngaros ou Onogurs)
  • Tolmaṣ (uma tribo pechenegue)

Variações em outras crônicas judaicas

Outros textos judaicos medievais, como as “Crônicas de Jerahmeel” e o “Livro de Jasher”, apresentam listas semelhantes, mas com diferentes grafias e, por vezes, nomes diferentes [15, 19].

Essas genealogias, embora lendárias, mostram um esforço consistente para integrar os povos turcos da Eurásia dentro da estrutura bíblica da Tabela das Nações, usando Togarma como o principal ponto de conexão.

Etimologia e significado de Togarma

O nome Togarma (em hebraico: תֹּגַרְמָה, Tōgarmāh) não possui um significado claro e direto em hebraico. Isso leva a maioria dos estudiosos a acreditar que se trata de um nome de origem estrangeira, adaptado para a língua hebraica [6].

A teoria mais aceita conecta o nome a Til-Garimmu, o nome assírio para uma cidade-estado na Anatólia [7]. Se essa conexão estiver correta, Togarma seria a forma hebraica de um nome de lugar já existente.

A expressão “Casa de Togarma” (Bet-Togarma), usada em Ezequiel, reforça essa ideia. No Antigo Oriente, era comum se referir a um reino ou povo como a “casa de” seu fundador ou de sua cidade principal.

Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] A descendência dos filhos de Noé – Evidências. Rafael de Souza Araujo.

[Vídeo] DESCUBRA a história de TOGARMA: A BÍBLIA e a LINHAGEM dos ASIÁTICOS! Bíblia Viva.

Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, sobre este personagem bíblico.

Quem é Togarma na Bíblia?

Togarma, na Bíblia, é filho de Gômer e neto de Jafé, listado em Gênesis 10:3 como o patriarca de um povo. Ele é irmão de Asquenaz e Rifate. O profeta Ezequiel o menciona como líder de uma nação guerreira e comerciante de cavalos, vinda do “extremo norte”.

Onde fica Togarma?

Togarma não é um local moderno, mas uma região antiga. As referências bíblicas (Ezequiel 38:6) a situam “no extremo norte” de Israel. Historiadores a identificam com a Anatólia oriental ou o Cáucaso, correspondendo à antiga Capadócia, na área da atual Turquia.

Qual é o significado do nome Togarma?

O significado do nome hebraico Togarma (תֹּגַרְמָה) é incerto, pois provavelmente não tem origem hebraica. A teoria mais aceita é que seja uma adaptação de “Til-Garimmu”, o nome de uma antiga cidade-estado hitita e assíria na região da Anatólia.

Quem é Bete Togarma?

“Bete Togarma” (em hebraico, Bet-Togarma) significa “Casa de Togarma”. O termo é usado pelo profeta Ezequiel para se referir à nação, ao território ou à dinastia descendente de Togarma. Não é uma pessoa, mas a designação coletiva do povo e de sua terra.

Fontes

[1] Gênesis 10:3 (Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Corrigida – ARC).

[2] “Cimmerians”. Encyclopaedia Iranica Online.

[3] 1 Crônicas 1:6 (Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Corrigida – ARC).

[4] Ezequiel 27:14 (Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Corrigida – ARC).

Demais fontes

[5] Ezequiel 38:6 (Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Corrigida – ARC).

[6] Easton, M. G. Easton’s Bible Dictionary. Thomas Nelson, 1897. Verbete “Togarmah”.

[7] Block, Daniel I. The Book of Ezekiel, Chapters 25–48. Wm. B. Eerdmans Publishing, 1998.

[8] Movses Khorenatsi. History of the Armenians. Traduzido por Robert W. Thomson. Harvard University Press, 1978.

[9] Mroveli, Leonti. “The Georgian Chronicle”. Traduzido por Robert Bedrosian.

[10] Josippon, “Tabela das Nações”.

[11] Nissan, Ephraim. “Medieval Hebrew Texts and European River Names”. Onomàstica 5, 2009.

[12] Pritsak, O. “The Khazar Kingdom’s Conversion to Judaism”. Harvard Ukrainian Studies, 1978.

[13] Kánnai, Zoltán. A szkítáktól a székelyekig és magyarokig, 2004.

[14] Alemany, Agustí. Sources on the Alans: A Critical Compilation, 2000.

[15] The Chronicles of Jerahmeel. Traduzido por M. Gaster, 1899.

[16] Bloomberg, Jon. The Jewish World in the Middle Ages. Ktav Publishing, 2000.

[17] Cross, James. The Impending Ruin of Christendom. Marshall, 1915.

[18] Feldman, A. Ethnicity and State in Pontic-Caspian Eurasia (8th–13th c.): Contributing to a Re-evaluation. Tese de Doutorado, Universidade de Birmingham, 2018.

[19] The Book of Jasher. Editado por M. M. Noah & A. S. Gould, 1840.

[20] Szádeczky-Kardoss, Sámuel. “The Avars”. In The Cambridge History of Early Inner Asia. Editado por Denis Sinor, 1990.

[21] Calmet, Augustin. Dictionary of the Holy Bible. 1732.

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Diego Pereira do Nascimento
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