Gômer, esposa de Oseias

Conheça a história de Gômer, a esposa infiel do profeta Oseias, e entenda como seu casamento simboliza o amor redentor de Deus por Israel.

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11 minutos de leitura

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Gômer é uma das figuras femininas mais complexas e discutidas do Antigo Testamento. Sua história, narrada no livro do profeta Oseias, serve como uma poderosa e dolorosa metáfora viva do relacionamento entre Deus e a nação de Israel.

O casamento dela com Oseias não foi uma união comum. Foi um ato profético ordenado por Deus para ilustrar a infidelidade de Israel e o amor redentor e persistente do Senhor por Seu povo.

Sua vida foi marcada pela infidelidade, reflete a constante idolatria de Israel, que se desviava para adorar outros deuses.

Neste artigo apresentamos um pouco sobre a vida desta personagem tão relevante no Antigo Testamento.

Ouça nosso podcast sobre este personagem bíblico.

Nascimento e família de Gômer

A Bíblia apresenta Gômer de forma abrupta em Oseias 1:3. Ela é identificada como “Gômer, filha de Diblaim”.

Não há informações sobre sua infância, sua linhagem além do nome de seu pai, ou o contexto específico de sua vida antes do casamento com o profeta Oseias.

Seu nome e o de seu pai, Diblaim, que pode estar relacionado a “bolos de figo prensado” (usados em rituais pagãos), talvez já insinuassem a atmosfera de idolatria na qual ela estava inserida.

O casamento foi uma ordem direta de Deus a Oseias, como parte de seu ministério profético para o Reino do Norte de Israel.

Ilustração de Gômer, esposa de Oseias
Ilustração de Gômer, esposa de Oseias

Oseias, esposo

Oseias foi um profeta de Deus que ministrou no Reino do Norte (Israel) durante um período de grande decadência moral e espiritual, no século VIII a.C. [1]. Sua vida pessoal tornou-se a principal mensagem de seu ministério.

Por ordem divina, ele se casou com Gômer, uma “mulher de prostituições” (Oseias 1:2). Essa união simbolizava a aliança de Deus com a nação idólatra de Israel. Oseias personificou o amor, a dor e a fidelidade de Deus, mesmo diante da traição contínua de sua esposa, que representava o povo.

Jezreel, filho

O primeiro filho de Gômer e Oseias recebeu o nome de Jezreel. Este nome, que significa “Deus semeia” ou “Deus espalha”, era uma profecia de julgamento. Ele remetia ao Vale de Jezreel, local de uma sangrenta purga realizada pelo rei Jeú décadas antes (2 Reis 9-10).

Deus estava anunciando, através do nome do menino, que o tempo de castigar a casa de Jeú pela violência em Jezreel havia chegado. O nome também apontava para a queda iminente do Reino do Norte de Israel (Oseias 1:4-5).

Lo-Ruama, filha

A segunda filha do casal foi chamada de Lo-Ruama, que significa “não amada” ou “desfavorecida”. Este nome era um sinal profético ainda mais direto e doloroso para a nação.

Deus declarou através de seu nome: “porque eu não tornarei mais a compadecer-me da casa de Israel, mas tudo lhe tirarei” (Oseias 1:6). O nome indicava a remoção da misericórdia e do favor de Deus sobre o reino idólatra, um passo em direção ao exílio que se aproximava.

Lo-Ami, filho

O terceiro filho, Lo-Ami, carregava o nome mais devastador de todos, significando “não meu povo”. Com este nome, Deus formalizou a quebra, ainda que temporária, da relação de aliança com Israel.

A mensagem era clara e terrível: “porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus” (Oseias 1:9). Isso representava o ápice do distanciamento causado pela idolatria e pecado persistente da nação. A aliança do Sinai estava sendo simbolicamente rompida.

História de Gômer

A história de Gômer é um drama em três atos: casamento, infidelidade e redenção. Cada etapa ilustra um aspecto do relacionamento entre Deus e Israel, tornando o relato um dos mais vívidos atos proféticos de toda a Escritura Sagrada.

Um casamento profético

O livro de Oseias começa com uma ordem chocante de Deus ao profeta: “Vai, toma uma mulher de prostituições e filhos de prostituição” (Oseias 1:2).

Este comando levanta um debate teológico sobre a condição de Gômer no momento do casamento.

Alguns estudiosos acreditam que ela já era uma prostituta cultual, envolvida nos rituais de fertilidade dos cananeus.

Outros defendem que a frase se refere à sua propensão futura à infidelidade, representando a natureza de todo o povo de Israel. Independentemente da interpretação, o casamento era um símbolo poderoso desde o início.

Ilustração de Oseias e Gomer da Bíblia Historiale, 1372
Ilustração de Oseias e Gomer da Bíblia Historiale, 1372

A infidelidade de Gômer

Após o nascimento dos três filhos, Gômer deixou Oseias. O texto bíblico sugere que ela buscou outros amantes, mergulhando ainda mais na infidelidade. Oseias 2 descreve poeticamente essa busca, onde ela diz:

“Irei atrás de meus amantes, que me dão o meu pão e a minha água, a minha lã e o meu linho, o meu óleo e as minhas bebidas”

Oseias 2:5

Essa atitude espelhava exatamente a de Israel. O povo atribuía sua prosperidade e sustento aos baalins e outros ídolos cananeus, esquecendo-se que era o Senhor quem provia todas as suas necessidades. Sua traição foi um retrato fiel da adultério espiritual de Israel.

A redenção de Gômer

A história atinge seu clímax no capítulo 3. Gômer, após deixar seu marido, aparentemente caiu em escravidão ou ficou sob o domínio de outro homem. Deus, então, dá uma nova ordem a Oseias: “Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo e adúltera” (Oseias 3:1).

Oseias obedece e a redime. Ele a compra de volta por “quinze peças de prata, e um ômer de cevada, e meio ômer de cevada” (Oseias 3:2).

Este ato de compra não foi apenas financeiro; foi um ato de redenção que simbolizava o amor inabalável de Deus.

Assim como Oseias resgatou sua esposa infiel, Deus prometeu resgatar Israel de seu “exílio”, mesmo após um período de disciplina.

O sermão de Oseias, pintura localizada na Igreja de Santa Catarina, em Frankfurt. Artista desconhecido, cerca de 1681
O sermão de Oseias, pintura localizada na Igreja de Santa Catarina, em Frankfurt. Artista desconhecido, cerca de 1681

Significado teológico da vida de Gômer

A vida de Gômer não é apenas uma biografia, mas uma teologia encenada. Sua jornada de infidelidade e restauração oferece profundas lições sobre a natureza do pecado, o caráter de Deus e a dinâmica da aliança.

Gômer como símbolo de Israel

Gômer é a representação do povo de Israel. Sua incapacidade de permanecer fiel a Oseias reflete a constante inclinação de Israel para a idolatria. A nação, libertada da escravidão no Egito e levada a uma relação de aliança com Deus no Sinai, repetidamente “se prostituía” com os deuses das nações vizinhas.

O profeta usa a linguagem do adultério para descrever a quebra da aliança, pois o pacto entre Deus e Israel era tão íntimo quanto um casamento [2].

Oseias como símbolo de Deus

Oseias, em sua dor e amor perseverante, representa o próprio Deus. Ele sente a agonia da traição, mas seu amor não se extingue.

A disposição de Oseias em tomar Gômer de volta, mesmo a um custo pessoal, ilustra a graça e a misericórdia de Deus.

Deus não abandona seu povo, mesmo quando este o abandona. Ele o disciplina, como Oseias fez com ela ao restringir suas liberdades (Oseias 3:3), mas com o objetivo final de restauração e reconciliação.

O Profeta Oséias de James Tissot , c. 1900
O Profeta Oséias de James Tissot , c. 1900

Uma mensagem de juízo e esperança

A história de Gômer e Oseias contém uma dupla mensagem. Por um lado, há um juízo severo. A infidelidade de Israel traria consequências, incluindo a remoção da bênção divina e o exílio. Os nomes de seus filhos funcionam como sentenças proféticas contra a nação.

Por outro lado, sua redenção final aponta para uma esperança inabalável. O livro de Oseias termina com promessas de cura e restauração. Deus promete que um dia chamará Lo-Ruama de Ruama (“amada”) e Lo-Ami de Ami (“meu povo”), revertendo a maldição em bênção (Oseias 2:23).

Legado de Gômer na cultura

A história dramática de Gômer, Oseias e o amor redentor de Deus transcendeu o texto bíblico, inspirando inúmeras obras de arte. Artistas de diversas áreas, como cinema, literatura e música, exploraram a profundidade de sua narrativa, reinterpretando-a para novos públicos e contextos.

Cinema e Televisão

No cinema, a alusão a Gômer aparece de formas variadas. O filme “A Via Láctea” (1969), de Luis Buñuel, faz uma referência surrealista. Protagonistas encontram um homem que os instrui a ter filhos com uma prostituta e nomeá-los com os nomes proféticos do livro de Oseias.

No filme “Sede de Pecar” (Walk on the Wild Side, 1962), um personagem usa a história de Oseias e Gômer. Ele a narra para explicar como pretende lidar com sua namorada, Hallie, traçando um paralelo com o amor que redime a infidelidade.

Em “Bagagem Deixada” (1998), o nome “Gômer” é usado como um termo pejorativo. Um personagem hassídico chama a babá de suas filhas por ela se vestir de forma que ele considera imprópria, mostrando como o nome se tornou um sinônimo de promiscuidade em certos círculos.

Mais diretamente, o filme “Amazing Love” (2012) é uma releitura completa do livro de Oseias. A produção apresenta ela como uma das personagens centrais e dramatiza seu relacionamento com o profeta para um público contemporâneo [4].

Literatura

Na literatura, a obra mais conhecida é “Amor Redentor” (1991), de Francine Rivers. O romance transporta a história de Gômer para o oeste americano da década de 1850. A protagonista, uma prostituta chamada Angel, vive uma poderosa jornada de redenção baseada no livro de Oseias.

Outros romances também se aprofundaram na narrativa. “Profeta” (1950), do escritor estoniano Ain Kalmus, foca na trágica história de amor entre ela e Oseias. Mais recentemente, “Love in a Broken Vessel” (2013), de Mesu Andrews, apresenta ela como a personagem principal de sua história.

Música

A música também encontrou grande inspiração na vida de Gômer. Brooke Fraser compôs a canção “Hosea’s Wife” (A Esposa de Oseias) em seu álbum Albertine. A banda Third Day lançou “Gomer’s Theme” (O Tema de Gômer) no álbum Conspiracy No. 5, o que levou seus fãs a se autodenominarem “Gomers”.

Michael Card gravou a música “Song Of Gomer” em seu álbum The Word. Mais recentemente, Robert DeLong fez referência direta em sua canção “Mud in My Eyes”, cantando “Oseias casou-se com Gômer…”.

Até mesmo Bob Dylan, em sua canção “Key West (Philosopher Pirate)”, parece aludir à história. Ele canta: “Aos doze anos, me puseram num terno / Forçaram-me a casar com uma prostituta / Havia franjas de ouro em seu vestido de noiva”.

Etimologia e significado de Gômer

O nome Gômer, em hebraico Gōmer (גֹּמֶר), tem um significado que é objeto de debate entre os estudiosos, mas geralmente está associado à raiz hebraica gamar (גָּמַר), que significa “terminar”, “completar” ou “levar à perfeição” [3].

Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] O Casamento de Oseias | Mensagem dos Profetas Menores | Instantes Finais. REDE BRASIL OFICIAL.

Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com as respostas, que as pessoas fazem sobre este personagem bíblico tão importante na historia de Oseias.

Quem era Gômer na Bíblia?

Gômer era a esposa do profeta Oseias. Descrita como uma “mulher de prostituições”, seu casamento foi uma ordem de Deus para servir como uma metáfora viva. Sua infidelidade representava o adultério espiritual de Israel, que se desviava para a idolatria, abandonando a aliança com o Senhor.

O que aconteceu com Gômer, a esposa do profeta Oseias?

Após ter filhos, Gômer foi infiel a Oseias, abandonando-o para seguir outros amantes. Ela acabou em uma condição de miséria ou escravidão. Seguindo uma nova ordem de Deus, Oseias a encontrou e a comprou de volta, redimindo-a e trazendo-a para casa sob disciplina e amor.

Porque Deus mandou Oseias casar com Gômer?

Deus ordenou o casamento como um poderoso ato profético. A união de Oseias (representando Deus) com a infiel Gômer (representando Israel) ilustraria publicamente a dor da traição de Israel através da idolatria e, ao mesmo tempo, o amor persistente e redentor de Deus por seu povo.

Como morreu Gômer na Bíblia?

A Bíblia não informa como ou quando Gômer morreu. O relato bíblico sobre sua vida, no livro de Oseias, se concentra em seu casamento, infidelidade e redenção por parte de seu marido. Detalhes sobre o restante de sua vida, incluindo sua morte, não foram registrados.

Fontes

[1] Dearman, J. Andrew. The Book of Hosea. New International Commentary on the Old Testament. Eerdmans, 2010.

[2] Stuart, Douglas. Hosea-Jonah. Word Biblical Commentary. Vol. 31. Thomas Nelson, 1987.

[3] Brown, Francis, S.R. Driver, e Charles A. Briggs. A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Oxford: Clarendon Press, 1906, p. 170.

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Diego Pereira do Nascimento
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