Asquenaz foi um dos descendentes de Noé, listado no livro de Gênesis na “Tabela das Nações”. Sua breve menção na Bíblia deu origem a uma história complexa, ligando seu nome a povos guerreiros da antiguidade.
Com o passar dos séculos, seu nome foi adotado por comunidades judaicas na Europa, dando origem aos judeus asquenazes.
Este artigo apresenta a história deste personagem, desde sua origem bíblica e identificação histórica até o seu significado na cultura judaica e em outras tradições.
Nascimento e família de Asquenaz
A história de Asquenaz está registrada na genealogia que se seguiu ao Dilúvio. Ele faz parte da terceira geração após Noé, um período em que a humanidade começava a se espalhar e formar novas nações.
Sua linhagem é jafética, o que, segundo a Tabela das Nações, o associa aos povos que migraram para o norte e oeste, ocupando partes da Europa e da Ásia Menor.
O contexto de seu nascimento é o de um mundo sendo repovoado, onde cada família representava o início de um novo povo.
A Bíblia não oferece detalhes sobre a vida pessoal de Asquenaz, mas o situa como uma peça na formação das nações após o grande recomeço da humanidade.

Noé, o bisavô
Noé é a figura central do recomeço da humanidade após o Dilúvio. Deus o escolheu para construir uma arca e preservar sua família e os animais. Ele representa a obediência e a fé em meio a um mundo corrompido.
Após as águas baixarem, Noé e seus filhos, Sem, Cam e Jafé, receberam de Deus a ordem de serem férteis e encherem a Terra.
Jafé, o avô
Jafé foi um dos três filhos de Noé. Ele recebeu de seu pai uma bênção especial de expansão, registrada em Gênesis 9:27. Essa bênção é tradicionalmente entendida como uma profecia sobre a grande dispersão de seus descendentes.
Os povos jaféticos são associados à Europa e à Ásia. A linhagem de Jafé é importante para entender como a narrativa bíblica explica a origem das nações gentílicas.

Gômer, o pai
Gômer foi o filho mais velho de Jafé. A maioria dos estudiosos o identifica com os Cimerianos, um povo nômade e guerreiro mencionado em registros assírios [4]. Os Cimerianos eram conhecidos por suas incursões na Ásia Menor, vindos da região ao norte do Mar Negro.
Rifate, irmão
Rifate é apresentado na Bíblia como o segundo filho de Gômer e neto de Jafé (Gênesis 10:3). Sua menção na Tabela das Nações o estabelece como o patriarca de um povo antigo que descende de Noé. Ao contrário de seus irmãos, a identificação histórica de seus descendentes é mais debatida.
A associação mais antiga vem do historiador Flávio Josefo, que no primeiro século o ligou aos Paflagônios, um povo que vivia na costa da Anatólia, na atual Turquia. Outras teorias o conectam a povos europeus.
Togarma, irmão
Togarma, listado em Gênesis 10:3 como o filho mais novo de Gômer, é tradicionalmente identificado como o ancestral dos povos da Anatólia oriental e da Armênia. Essa conexão é fortemente apoiada pelo profeta Ezequiel.
Em Ezequiel 27:14, a “casa de Togarma” é descrita como uma nação que comerciava cavalos e mulas com a cidade de Tiro. A região da antiga Armênia era historicamente famosa por sua cavalaria, o que torna a referência bíblica geograficamente precisa.
A própria tradição nacional armênia considera Togarma (“Torgom”) um de seus antepassados fundadores.
História de Asquenaz
Embora Gênesis apenas liste Asquenaz, o profeta Jeremias o menciona em um contexto histórico concreto. Essa referência profética se tornou a principal pista para identificar quem eram os descendentes dele na antiguidade.
Seu nome é retirado de uma simples lista de nomes e colocado no cenário geopolítico do Antigo Oriente Próximo. Isso indica que, séculos após Gênesis ter sido escrito, o povo de Asquenaz era uma força reconhecida.
Convocação do profeta Jeremias
No capítulo 51 de seu livro, Jeremias convoca uma aliança de nações para atacar o poderoso Império da Babilônia. No versículo 27, ele diz: “convocai contra ela os reinos de Ararate, Mini e Asquenaz” [7].
Esta passagem é muito importante. Ela mostra que Asquenaz era um reino ou grupo militar ativo no século VI a.C. Além disso, o texto o localiza geograficamente ao lado de Ararate (o reino de Urartu, na Armênia) e Mini (os Manaios, ao sul do Lago Urumiyeh).

Asquenaz e os Citas
A localização fornecida por Jeremias permitiu que os historiadores fizessem uma conexão forte entre Asquenaz e um famoso povo guerreiro: os citas.
A principal evidência para essa ligação é linguística. O nome hebraico Ashkenaz é amplamente aceito como uma variação do nome assírio para os citas, Aškūza ou Iškuzai [6].
É provável que um pequeno erro de um escriba antigo tenha trocado uma letra, transformando Ashkuz em Ashkenaz.
Evidências em registros assírios
Registros do Império Assírio, que dominou a região por séculos, mencionam com frequência o povo Aškūza. Eles são descritos como cavaleiros habilidosos e uma força militar instável nas fronteiras do norte do império.
Esses registros confirmam que os citas estavam ativos na mesma área geográfica mencionada por Jeremias.
Fontes assírias relatam alianças e conflitos entre os citas e os reinos de Urartu e dos Manaios, exatamente como na profecia bíblica [8].

O povo cita na história
Os citas eram um povo nômade de origem iraniana que dominou as estepes eurasianas por volta do século VII a.C. Eles eram mestres do arco e flecha a cavalo, uma tática militar que os tornava adversários temíveis.
Historicamente, os citas sucederam os Cimerianos (o povo de Gômer, pai de Asquenaz) como a principal potência na região. Essa conexão entre os registros históricos e a genealogia bíblica é notável, mostrando uma sobreposição entre a linhagem familiar e os movimentos de povos.
Transformação do nome Asquenaz na Idade Média
Durante séculos, Asquenaz foi entendido como o ancestral dos citas. No entanto, na Idade Média, o nome passou por uma mudança de significado radical dentro da cultura judaica, ganhando a conotação pela qual é mais conhecido hoje.
Essa transformação mostra como os nomes bíblicos foram reinterpretados para se encaixar na realidade e na geografia das comunidades judaicas que viviam em diáspora.
Costume judaico de nomear terras
Sábios e rabinos judeus da Idade Média tinham o costume de aplicar nomes de lugares bíblicos às regiões onde viviam. Era uma forma de integrar seu mundo à narrativa sagrada da Bíblia.
Por exemplo, eles passaram a chamar a Península Ibérica (Espanha e Portugal) de Sefarad, com base em uma passagem do livro de Obadias [11]. A França era chamada de Tzarfat, outro nome encontrado no Antigo Testamento.
Seguindo essa mesma lógica, o nome Asquenaz foi gradualmente associado às terras da Alemanha [9].
Surgimento dos judeus asquenazes
A partir do século XI, “Asquenaz” tornou-se o termo hebraico padrão para a Alemanha. Com o tempo, o nome do lugar se tornou o nome do povo. Os judeus que viviam na “terra de Asquenaz” passaram a ser chamados de judeus asquenazes (Ashkenazim).
Este termo os diferenciava de outros grupos, como os judeus sefarditas (de Sefarad, ou Espanha). Os asquenazes desenvolveram uma cultura rica e distinta, com suas próprias tradições, rituais e língua.

A região da Renânia como berço
O coração da cultura asquenaze inicial estava nas cidades ao longo do Rio Reno, na Alemanha, especialmente em Speyer, Worms e Mainz [10]. Essas comunidades se tornaram grandes centros de estudo do Talmude.
O famoso comentarista bíblico Rashi, que viveu no século XI, usava a expressão Leshon Ashkenaz (“a língua de Asquenaz”) para se referir ao idioma alemão, mostrando como a identificação já estava consolidada em sua época.
Uma nova cultura e identidade
A cultura asquenaze floresceu e desenvolveu características únicas. A mais notável é a língua iídiche, uma mistura de dialetos alemães medievais com hebraico e palavras de origem eslava [13].
A partir do final da Idade Média, por causa de perseguições, muitos judeus asquenazes migraram para o leste europeu. Eles se estabeleceram na Polônia, Lituânia, Ucrânia e Rússia, levando sua cultura consigo. Hoje, uma grande parte dos judeus do mundo tem ascendência asquenaze.
Outras tradições sobre Asquenaz
Além da interpretação histórica e da tradição judaica, o nome de Asquenaz também aparece em outras culturas, incluindo mitos e lendas que tentaram se conectar a essa antiga figura bíblica.
Essas tradições mostram a influência da Tabela das Nações de Gênesis em diferentes povos que buscavam traçar suas origens até Noé.
Tradição Armênia
Na Armênia, uma antiga nação localizada na região do Cáucaso, existe uma tradição que reivindica Asquenaz como um de seus ancestrais.
Historiadores armênios antigos, como Koriun, que viveu no século V, referiam-se ao seu povo como a “nação de Asquenaz” (Askanazian na língua local) [14]. Essa tradição conecta a origem do povo armênio diretamente à linhagem de Jafé, mostrando o prestígio associado a essa genealogia bíblica.
O mito dos primeiros reis da Alemanha
Uma das histórias mais curiosas sobre Asquenaz surgiu durante o Renascimento, a partir de uma falsificação histórica.
Essa lenda foi usada para criar um passado antigo e nobre para o povo alemão, ligando seus primeiros reis diretamente a um personagem bíblico.
Annio da Viterbo e a falsificação
Em 1498, um monge italiano chamado Annio da Viterbo publicou um livro que ele afirmava conter escritos perdidos de um antigo historiador babilônico.
Hoje, sabemos que o livro era uma farsa criada por ele para colocar seu nome na história.
Nesse texto falso, Annio inventou um quarto filho para Noé, chamado Tuiscon, que teria sido o primeiro rei da Alemanha.

A expansão do mito
Nos séculos seguintes, outros historiadores europeus, sem saber da farsa, adotaram essa história. Eles misturaram o mito de Tuiscon com a Bíblia e declararam que Tuiscon e Asquenaz eram a mesma pessoa [15].
O historiador James Anderson, em 1732, chegou a escrever uma biografia detalhada para o filho de Gômer como rei alemão. Ele dizia que Asquenaz reinou por 176 anos e fundou cidades. Essa história é completamente fictícia, mas mostra o desejo das nações de se conectarem à narrativa bíblica.
Etimologia e significado de Asquenaz
A origem e o significado exato do nome Asquenaz, do hebraico ‘Ashkĕnaz’ (אַשְׁכְּנָז), são debatidos por especialistas em línguas antigas. Por ser um nome muito antigo, é difícil determinar com certeza o que ele significava originalmente.
Alguns estudiosos sugerem que o nome pode vir de raízes hebraicas que significam “fogo que se espalha” ou “um homem aspergido” [16]. Essas ideias poderiam indicar um povo que se espalhou rapidamente ou que possuía características enérgicas.
A Bíblia não oferece uma explicação para o nome, como faz com outras figuras. Portanto, essas interpretações continuam sendo teorias.
Apesar da incerteza sobre seu significado original, o nome Asquenaz ganhou um peso histórico e cultural imenso. As ligações com os citas e, principalmente, com os judeus da Europa, deram ao nome uma identidade forte e duradoura que vai muito além de sua etimologia.
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.
[Vídeo] A descendência dos filhos de Noé – Evidências. Rafael de Souza Araujo.
[Vídeo] NACIONALIDADES CAPÍTULO 2 – ASQUENAZ – UMA SÉRIE DOS FILHOS DE NOÉ. HENRIQUE BARROS – DESVENDANDO A REALIDADE.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, sobre este personagem bíblico.
Quem foi Asquenaz na Bíblia?
Asquenaz, na Bíblia, foi filho de Gômer e neto de Jafé (um dos filhos de Noé). Ele é listado na “Tabela das Nações” em Gênesis 10:3 como o patriarca de um povo. Historiadores conectam seus descendentes aos citas, um antigo povo guerreiro mencionado também pelo profeta Jeremias.
Qual é o significado de Asquenaz?
O significado exato do nome hebraico Asquenaz (אַשְׁכְּנָז) é incerto por ser muito antigo. Estudiosos sugerem possíveis interpretações baseadas em suas raízes, como “fogo que se espalha” ou “um homem aspergido”. O nome ganhou mais importância por suas associações históricas do que por sua etimologia original.
O que significa o termo “ashkenazi”?
O termo “ashkenazi” (ou asquenaze) refere-se aos judeus cujos ancestrais viveram na Europa Central e Oriental. A palavra deriva de “Asquenaz”, o nome hebraico dado à Alemanha na Idade Média. Hoje, o termo descreve uma identidade cultural, religiosa e linguística específica dentro do povo judeu.
Qual a diferença entre judeus sefarditas e asquenazes?
A principal diferença é a origem geográfica. Judeus asquenazes são da Europa Central e Oriental (Alemanha e arredores), enquanto os sefarditas são da Península Ibérica (Espanha e Portugal). Essa separação gerou distintas tradições culturais, línguas (iídiche vs. ladino), culinária e rituais religiosos ao longo dos séculos.
Quais são os sobrenomes dos judeus asquenazes?
Não há uma lista única. Sobrenomes asquenazes geralmente surgiram de quatro fontes principais: nomes de cidades (Shapiro, Berliner), profissões (Schneider – alfaiate, Kaufman – comerciante), nomes de pais (Mendelsohn) ou características e nomes ornamentais (Goldberg, Rosenberg). Muitos terminam com sufixos como -stein, -man ou -witz.
Fontes
[1] Gênesis 10:3, Bíblia Sagrada.
[2] 1 Crônicas 1:6, Bíblia Sagrada.
[3] Gênesis 9:11, Bíblia Sagrada.
[4] Yamauchi, Edwin M. “Gomer.” In The New Unger’s Bible Dictionary. Moody Press, 1988.
[5] Arnold, Bill T. Genesis. New Cambridge Bible Commentary. Cambridge University Press, 2009.
Demais fontes
[6] Gmirkin, Russell E. Berossus and Genesis, Manetho and Exodus: Hellenistic Histories and the Date of the Pentateuch. T & T Clark, 2006, pp. 148-149.
[7] Jeremias 51:27, Bíblia Sagrada.
[8] Encyclopaedia Biblica, “Ashkenaz”, 1903.
[9] Kraus, S. “Hashemot ‘ashkenaz usefarad”. Tarbiz 3:423-435, 1932.
[10] Berenbaum, Michael; Skolnik, Fred, eds. “Ashkenaz”. Encyclopaedia Judaica. Vol. 2 (2ª ed.). Macmillan Reference, 2007.
[11] Miller, Michael. Rabbis and Revolution: The Jews of Moravia in the Age of Emancipation. Stanford University Press, 2010, p. 15.
[12] Patai, Raphael. The Children of Noah: Jewish Folklore and the Jewish Family. Wayne State University Press, 1999.
[13] Kriwaczek, Paul. Yiddish Civilization: The Rise and Fall of a Forgotten Nation. Weidenfeld & Nicolson, 2005.
[14] Koriun. The Life of Mashtots. Yerevan, 1981. Traduzido do armênio antigo por Bedros Norehad.
[15] Anderson, James. Royal Genealogies, Or the Genealogical Tables of Emperors, Kings and Princes. 1732.
[16] Gesenius, Wilhelm. Gesenius’ Hebrew and Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures. Traduzido por Samuel Prideaux Tregelles. Baker Book House, 1979.