Sermão sobre a Parábola do Filho Pródigo

Sermão sobre a Parábola do Filho Pródigo, ministrado por Agostinho de Hipona, um dos maiores teólogos da história do cristianismo.

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11 minutos de leitura

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No “Sermão sobre a Parábola do Filho Pródigo”, Agostinho faz uma analogia entre os filho pródigo e os pecadores. Ele enxerga o o filho pródigo como um símbolo de todos os pecadores que, afastando-se de Deus, buscam satisfação nas coisas mundanas, mas eventualmente reconhecem sua miséria e retornam ao Pai celestial.


Informações sobre o sermão

Preletor: Aurélio Agostinho de Hipona

Texto base: Lucas 15:11-32

“Disse Jesus: Um homem tinha dois filhos. O mais moço disse a seu pai: ‘Meu pai, dá-me a parte do patrimônio que me toca’.

O pai então repartiu entre eles os haveres. Poucos dias depois ajuntando tudo o que lhe pertencia, partiu o filho mais moço para um país muito distante, e lá dissipou sua herança vivendo dissolutamente.

Depois de ter esbanjado tudo, sobreveio àquela região uma grande fome: e ele começou a passar penúria. Foi pôr-se a serviço de um dos senhores daquela região, que o mandou para os seus campos guardar porcos. Desejava ele fartar-se das vagens que os porcos comiam, mas ninguém lhes dava.

Entrando então em si e refletiu: ‘Quantos empregados há na casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu, aqui, a morrer de fome! Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como a um dos teus empregados’.

Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava ainda longe, quando seu pai o viu, e, movido pela misericórdia, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.

O filho lhe disse então: ‘Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei-me depressa a melhor (primeira) veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés. Trazei também o bezerro cevado e matai-o; comamos e festejemos. Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido e foi achado”. E começaram a festa.’”

Trecho da prábola ministrado por Agostinho de Hipona em seu sermão sobre o Filho Pródigo

Texto do sermão “Sermão sobre a Parábola do Filho Pródigo” de Agostinho de Hipona

A introdução deste sermão é a leitura do texto bíblico de Lucas 15:11-32, conforme apresentado na seção anterior. O restante do sermão está dividio em 7 seções.

Seção I

Não é necessário determo-nos em assunto de que já tratamos; mas se não é o caso de nos demorarmos, sim o é de rememorarmos. Vossa prudência ainda lembra que no domingo passado comentei a parábola, lida no Evangelho de hoje, a do filho pródigo, comentário que no entanto não pude concluir.

Deus Nosso Senhor quis, porém, que, passada aquela tribulação, possamos hoje continuar a falar.

Sinto-me obrigado a pagar a dívida do sermão, porque as dívidas de amor sempre devem ser pagas. Assista-me Deus para que meus poucos recursos possam satisfazer a vossa expectativa.

Seção II

O homem que tem dois filhos é Deus que tem dois povos: o filho mais velho é o povo judeu; o menor, os gentios.

O patrimônio que este recebeu do Pai é a inteligência, a mente, a memória, o engenho e tudo o que Deus nos deu para que O conhecêssemos e Lhe déssemos culto. Tendo recebido este patrimônio, o filho menor “partiu para um país muito distante”.

Distância significa: o esquecimento de seu Criador. “Dissipou sua herança vivendo dissolutamente”: gastando e não ajuntando; malbaratando tudo o que tinha e não adquirindo o que não tinha, isto é, consumindo toda sua capacidade em luxúria, em ídolos, em todo tipo de desejos perversos, aos que a Verdade denominou meretrizes.

Seção III

Não é de admirar que essa orgia acabasse em fome. “Sobreveio àquela região uma grande fome”; fome não de pão visível mas da verdade invisível. E, por causa da fome, “foi pôr-se a serviço de um dos senhores daquela região”: entenda-se o diabo, o senhor dos demônios, sob cujo poder caem todos os curiosos, pois a curiositas é o pestilento abandono da verdade.

À margem de Deus, por entregar-se a seus próprios recursos, foi submetido à servidão e lhe tocou o ofício de apascentar porcos, o que significa a servidão mais extrema e imunda que costuma alegrar os demônios: não foi por acaso que o Senhor, quando expulsou a legião dos demônios, permitiu que entrassem na piara de porcos.

Alimentava-se então das vagens de porcos sem poder saciar-se. Vagens são as vistosas doutrinas do mundo: servem para ostentar mas não para sustentar; alimento digno para porcos, mas não para homens: próprias para dar aos demônios deleitação, mas não aos fiéis justificação.

Seção IV

Até que, por fim, tomou consciência do lugar em que tinha caído; do quanto tinha perdido; Quem tinha ofendido e a quem se tinha submetido.

Reparai no que diz o Evangelho: “Entrando em si.”; primeiramente, voltou-se para si e só assim pôde voltar para o pai. Dizia talvez: “O meu coração me abandonou (isto é: saí de mim mesmo)” (Salmos 40:13); daí que fosse necessário, antes, voltar para si mesmo e assim perceber que se encontrava longe do pai.

É o que diz a Escritura quando increpa a alguns, dizendo: “Voltai, pecadores, ao coração! (isto é: voltai, pecadores, a vós mesmos!)” (Isaías 46,8).

Voltando para si mesmo, encontrou-se miserável: “Encontrei, diz ele, a tribulação e a dor e invoquei o nome do Senhor” (Salmos 116:3-4). “Quantos empregados, diz ele, há na casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu, aqui, a morrer de fome!”

Seção V

Levantou-se e voltou. Ele, caído por terra depois de contínuos tropeços. O pai o vê ao longe e sai-lhe ao encontro. É dele que fala o Salmo: “Entendeste meus pensamentos de longe” (Salmos 139:2).

Que pensamentos? Aqueles que o filho tinha em seu interior: “Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como a um dos teus empregados”.

Ele ainda nada tinha dito, só pensava em dizer. O pai, porém, ouvia como se o filho já o estivesse dizendo.

Por vezes, em meio a uma tribulação ou tentação, alguém pensa em orar, e, no próprio ato de pensar o que irá dizer a Deus na oração, considera que é filho e que, como tal, tem direito a reivindicar a misericórdia do Pai.

E diz de si para si: “Direi a meu Deus isto e aquilo; não temo que, em lhe dizendo isto, e chorando, não seja eu atendido pelo meu Deus”. Geralmente, Deus já o está atendendo quando ele diz estas coisas; e mesmo antes, quando as cogita, pois mesmo o pensamento não está oculto ao olhar de Deus.

Quando o homem delibera orar, já lá está Aquele que lá estará quando ele começar a oração. E assim se diz em outro Salmo: “Eu disse: confessarei minha iniquidade ao Senhor” (Salmos 32:5).

Vede como se trata ainda de algo interior a ele, de um mero projeto e, contudo, acrescenta imediatamente: “E tu já perdoaste a impiedade de meu coração” (Salmos 32:5). Quão próxima está a misericórdia de Deus daquele que se confessa!

Não, Deus não está longe de quem tem um coração contrito, como está escrito: “Deus está próximo dos que trituram seu coração” (Salmos 34:19). E neste triturar seu coração no país da penúria, retornava ao coração para moê-lo. Soberbo, abandonara seu coração; irado com santa indignação, a ele retorna.

Indignou-se contra si mesmo, contra o mal que há em si, para se emendar; retornou para merecer o bem do pai. Indignou-se conforme a sentença: “Irai-vos para não pecar” (Salmos 4:5). Pois quem está arrependido fica irado e, por estar indignado consigo mesmo, se pune.

Daí surgem aquelas práticas próprias do penitente que verdadeiramente se arrepende, verdadeiramente se dói, sente ira contra si mesmo. Certamente, é indício dessa ira o bater no peito: o que a mão faz externamente, a consciência o faz internamente: golpeia-se nos pensamentos, ou melhor, produz a morte em si mesmo.

E, matando-se, oferece a Deus o “sacrifício de um espírito atribulado. Deus não despreza um coração contrito e humilhado” (Salmos 51:19). E, assim, raspando, quebrando, humilhando seu coração, leva-o à morte.

Seção VI

Embora tivesse ainda somente a disposição de falar ao pai, cogitando em seu interior: “Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei.”, o pai, que de longe já conhece essas cogitações, foi ao seu encontro.

Que significa “ir ao encontro” senão antecipar-se pela misericórdia? Pois, “estava ainda longe, quando seu pai o viu, e, movido pela misericórdia, correu-lhe ao encontro”. Por que foi movido pela misericórdia? Porque o filho tinha confessado sua miséria. “E correndo-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço”, isto é, pôs o braço sobre o pescoço dele.

Ora, o braço do Pai é o Filho: deu-lhe, portanto, Cristo para carregar: uma carga que não pesa, mas alivia. “Meu jugo é suave, diz Cristo, e meu fardo é leve” (Mateus 11:30). Ele se apoiava sobre o que estava de pé e, por apoiar-se, impedia-o de tornar a cair. Tão leve é o fardo de Cristo que não só não pesa, mas, pelo contrário, até ergue.

Não que o fardo de Cristo seja uma carga dessas que se chamam leves (não há carga, por mais leve que seja, que não tenha algum peso). Pode-se carregar um fardo pesado, um fardo leve ou, ainda, não carregar fardo algum.

Anda oprimido quem carrega fardo pesado; menos oprimido quem leva uma carga leve (embora também ande oprimido); com os ombros totalmente desembaraçados, quem não carrega fardo algum. Não é dessa ordem o fardo de Cristo, mas um fardo tal que convém carregá-lo para sentir-se aliviado; se nos desvencilharmos dele, mais carregados nos sentiremos.

E que esta nossa afirmação, irmãos, não vos pareça absurda! Talvez encontremos alguma comparação que vos torne plausível, até em termos de nossa experiência sensível, o que estou dizendo. Um caso, também ele, espantoso e totalmente incrível.

É o seguinte: considerai as aves. Toda ave carrega o peso de suas asas: não reparastes como, quando descem ao chão, recolhem as asas para poder descansar e como que as levam nos costados? Julgais que estão oprimidas pelo peso das asas? Tirai-lhe este peso e cairão: quanto menos pesarem as asas, menos pode a ave voar.

Alguém que, a título de misericórdia, as privasse deste peso, não estaria sendo misericordioso. A verdadeira misericórdia está em poupar-lhes esta privação e, se já perderam as asas, em dar-lhes alimento para que readquiram asas pesadas e possam arrancar-se da terra e voar.

É bem este o peso que desejava o salmista: “Quem me dará asas como as da pomba para que eu voe e encontre meu repouso?” (Salmos 55:7).

Assim, o peso do braço do pai sobre o pescoço do filho não o carregou, mas o aliviou; foi-lhe honroso e não oneroso. Como é, pois, o homem capaz de carregar consigo a Deus se não é porque o está carregando, o Deus que ele carrega?

Seção VII

E o pai ordena que o vistam com a primeira veste, aquela que Adão perdera ao pecar. Tendo recebido o filho em paz, tendo-o beijado, ordena que lhe deem uma veste: a esperança de imortalidade, conferida no batismo.

Ordena que lhe deem um anel, penhor do Espírito Santo; calçado para os pés, como preparação para o anúncio do Evangelho da paz, para que sejam formosos os pés dos que anunciam a boa nova.

Estas coisas Deus faz através de seus servos, isto é, os ministros da Igreja. Acaso eles podem, por si próprios, dar veste, anel e calçados? Não, apenas cumprem seu ministério, desempenham seu ofício; quem dá é Aquele de cujo depósito e de cujo tesouro são extraídos estes dons.

Mandou também matar o bezerro cevado, isto é, que fosse admitido à mesa em que o alimento é Cristo morto. Mata-se o bezerro para todo aquele que, de longe, vem para a Igreja, na qual se prega a morte de Cristo e no Seu corpo o que vem é admitido. Mata-se o bezerro cevado porque o que se tinha perdido foi encontrado.


Aprenda mais

[Livro] Confissões de Santo Agostinho – Edição de Luxo.

[Livro] Sobre o Sermão do Senhor na Montanha.

[Livro] Manual Bíblico. John MacArthur.

[Livro] Atlas Ilustrado da Bíblia. André Daniel Reinke.

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