Nous (gnosticismo)

Nous é a mente divina, emanação do Pai supremo e fonte de sabedoria e gnosis. É uma das doutrinas mais importantes no gnosticismo.

·

8 minutos de leitura

·

·

Nous é um dos conceitos centrais do gnosticismo, significando a mente ou intelecto divino. Este termo descreve uma emanação primordial da Divindade suprema, muitas vezes considerada a primeira ou uma das primeiras manifestações do Ser Perfeito.

Neste artigo explicamos este conceito presente nas seitas gnósticas.

A natureza do Nous no Gnosticismo

O Nous, no gnosticismo, é frequentemente entendido como a Mente ou o Intelecto Puro, que emana diretamente da Divindade incognoscível.

É a fonte de sabedoria e revelação dentro do Pleroma, a plenitude divina. Esta emanação é vista como perfeitamente espiritual e distinta do mundo material imperfeito [1].

O Nous como o primeiro Aeon

Em muitos sistemas gnósticos, o Nous é o primeiro Aeon, uma entidade divina gerada pelo Pai incognoscível. Ele é, por vezes, chamado de Mente do Pai, através da qual o restante do Pleroma se manifesta. Sua função é refletir e compreender a Divindade suprema.

Essa primazia estabelece o Nous como um modelo para a existência e a ordem dentro do reino espiritual. Ele precede outras emanações, como o Logos e a Sophia, orientando o processo de manifestação divina [2].

Ilustração de gnósticos estudando (Nous)
Ilustração de gnósticos estudando (Nous)

Conexão com a mente divina

O Nous é o aspecto da Divindade que compreende a si mesma, representando a autoconsciência divina. Ele serve como o canal primário para a transmissão da gnosis, o conhecimento salvífico, aos seres humanos. Através dele, a verdade espiritual é revelada.

Essa conexão enfatiza a imanência de um intelecto divino acessível àqueles que buscam a iluminação. A mente humana, ao se alinhar com o Nous, pode ascender ao conhecimento espiritual [3].

Nous e a Criação imperfeita

A distinção entre o Nous divino e o mundo material é uma pedra angular do pensamento gnóstico. Ele pertencente ao reino espiritual puro, contrasta radicalmente com a matéria, considerada inferior e imperfeita

Esta dualidade molda a soteriologia gnóstica.

O mundo material e o Nous

Para os gnósticos, o cosmos material não foi criado pelo Nous nem pelo Pai supremo.

Foi, em vez disso, obra de uma divindade inferior, o Demiurgo, resultante de um erro ou de uma paixão de Sophia, um dos Aeons do Pleroma [4]. O mundo material é, portanto, uma prisão para a centelha divina.

A criação do Demiurgo é descrita como um engano, uma tentativa de imitar as realidades superiores do Pleroma. No entanto, sua obra é deficiente, desprovida da verdadeira luz e sabedoria que emanam do Nous.

Demiurgo, "Aurora do Mundo" de William Blake,1794
Demiurgo, “Aurora do Mundo” de William Blake,1794

Redenção através do Nous

A redenção, no gnosticismo, implica o despertar da centelha divina interior e o reconhecimento de que o verdadeiro lar da alma está além do mundo material. O conhecimento proporcionado pelo Nous é crucial para este processo de libertação.

Jesus Cristo, nas cosmologias gnósticas, é frequentemente visto como um emissário do Nous. Ele veio para trazer a gnosis, revelando a verdadeira natureza da realidade espiritual e o caminho para o retorno ao Pleroma [5].

O Nous na consciência humana

A compreensão do Nous estende-se à sua presença dentro da humanidade. Os gnósticos acreditavam que uma porção ou “centelha” do Nous habita em certas pessoas, permitindo-lhes acessar a verdade espiritual.

A centelha divina

Dentro de cada indivíduo eleito, há uma centelha do Nous divino, aprisionada no corpo material. Esta centelha representa a verdadeira essência espiritual do ser humano, aguardando o despertar através da gnosis [6].

A existência desta centelha é o que diferencia os “pneumáticos” (espirituais) dos “psíquicos” (da alma) e “hílicos” (materiais). Somente os pneumáticos são capazes de alcançar a salvação completa.

Plérome de Valentin, da Histoire critique du Gnosticisme; Jacques Matéria, 1826, Vol. II, Placa II. Valentinianismo (Pleroma)
Plérome de Valentin, da Histoire critique du Gnosticisme; Jacques Matéria, 1826, Vol. II, Placa II

O caminho do conhecimento (Gnosis)

O processo de salvação gnóstica não é alcançado pela fé ou pelas obras, mas pela gnosis — um conhecimento intuitivo e revelador. O Nous é a faculdade através da qual este conhecimento é recebido e compreendido.

A gnosis é o meio pelo qual a alma reconhece sua origem divina e compreende a ilusão do mundo material. É um conhecimento que liberta e eleva o indivíduo de volta ao reino espiritual [7].

Nous em diferentes sistemas gnósticos

O conceito de Nous é adaptado e interpretado de maneiras variadas nos diversos sistemas gnósticos, como o valentinianismo e o setianismo. Apesar das particularidades, sua função central como mente divina permanece.

No valentinianismo, por exemplo, ele é frequentemente identificado com o Cristo, o primeiro fruto do Pai. Ele é a inteligência que organiza e revela os mistérios do Pleroma [8].

No setianismo, ele pode ser associado a Set, o filho de Adão e a figura ancestral dos gnósticos setianos. Ele encarna a sabedoria e o conhecimento secreto transmitido através de linhagens espirituais [9].

Ilustração representando uma seita cristã (Setianismo)
Ilustração representando uma seita cristã (Setianismo)

Perspectiva bíblica sobre o Nous

De uma perspectiva cristã protestante, o conceito gnóstico de Nous apresenta divergências significativas com a teologia bíblica. A Bíblia apresenta uma visão diferente da origem do conhecimento, da natureza de Deus e do caminho da salvação.

Contrastes com a doutrina cristã

A Bíblia não postula uma dicotomia radical entre um Deus supremo incognoscível e um Demiurgo imperfeito. Pelo contrário, ela afirma que há um único Deus, Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis (Colossenses 1:16).

Deus é o Criador do cosmos material e espiritual, e sua criação é descrita como “muito boa” (Gênesis 1:31). Não há a ideia de uma centelha divina aprisionada que precisa ser libertada por um conhecimento secreto.

A origem da sabedoria e do conhecimento

A sabedoria e o conhecimento, na fé cristã, vêm de Deus através da revelação divina. A Bíblia é a fonte primária dessa revelação, e o Espírito Santo ilumina a mente dos crentes (1 Coríntios 2:10-16).

Jesus Cristo não é apenas um emissário de gnosis, mas o próprio Filho de Deus encarnado, que oferece salvação pela graça, mediante a fé em seu sacrifício expiatório (Efésios 2:8-9). A salvação é um dom, não um conhecimento secreto.

Em contraste com a busca gnóstica por uma gnosis oculta, o apóstolo Paulo adverte contra “falsamente chamada ciência” ou gnosis (1 Timóteo 6:20), que desvia da fé verdadeira.

A verdadeira sabedoria é encontrada em Cristo, em quem “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Colossenses 2:3).

Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis
Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis

Etimologia e significado de Nous

O termo “Nous” (νοῦς) tem origem na filosofia grega antiga, onde significa “mente”, “intelecto”, “razão” ou “compreensão”. Filósofos como Anaxágoras e Platão já utilizavam o termo para descrever um princípio ordenador ou a mente divina [10].

No gnosticismo, o termo “Nous” é adotado e ressignificado para expressar a natureza da mente divina que emana do Pai supremo. Ele se refere à capacidade de percepção intelectual direta e ao conhecimento espiritual profundo [11]. Distingue-se da mera racionalidade mundana, apontando para uma inteligência de ordem superior e divina.

Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] GNOSTICISMO: A DOUTRINA QUE DESAFIOU A RELIGIÃO TRADICIONAL – Professor Responde 97. Prof. Jonathan Matthies.

Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, deste conceito importante para as seitas gnósticas.

O que são os nous no gnosticismo?

No gnosticismo, o Nous (Mente ou Intelecto) é frequentemente concebido como uma das primeiras emanações do Deus supremo e incognoscível (o Pleroma). É uma entidade divina, muitas vezes associada à primeira manifestação da inteligência ou sabedoria divina, desempenhando um papel crucial na hierarquia cósmica e na transmissão da Gnose (conhecimento salvífico).

Fontes

[1] Pagels, Elaine H. The Gnostic Gospels. Vintage Books, 1979.

[2] Layton, Bentley. The Gnostic Scriptures: A New Translation with Annotations and Introductions. Doubleday, 1987.

[3] Jonas, Hans. The Gnostic Religion: The Message of the Alien God and the Beginnings of Christianity. Beacon Press, 2001.

[4] Schaff, Philip. History of the Christian Church, Vol. II: Ante-Nicene Christianity A.D. 100-325. Hendrickson Publishers, 1997.

Demais fontes

[5] Robinson, James M. (ed.). The Nag Hammadi Library in English. HarperOne, 1990.

[6] Rudolph, Kurt. Gnosis: The Nature and History of Gnosticism. HarperSanFrancisco, 1983.

[7] Williams, Michael Allen. Rethinking Gnosticism: An Argument for Dismantling a Dubious Category. Princeton University Press, 1996.

[8] Pearson, Birger A. Gnosticism, Judaism, and Egyptian Christianity. Fortress Press, 1990.

[9] Turner, John D. Sethian Gnosticism: A Critical History of the Academic Study of the Sethian Tradition. Brill, 2001.

[10] Guthrie, W. K. C. A History of Greek Philosophy, Vol. II: The Presocratic Tradition from Parmenides to Democritus. Cambridge University Press, 1965.

[11] Liddell, Henry George, and Robert Scott. A Greek-English Lexicon. Oxford University Press, 1940.

O que achou deste artigo?

Clique nas estrelas

Média 4.7 / 5. Quantidade de votos: 9

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Débora da Teológico
Últimos posts por Débora da Teológico (exibir todos)