Nous é um dos conceitos centrais do gnosticismo, significando a mente ou intelecto divino. Este termo descreve uma emanação primordial da Divindade suprema, muitas vezes considerada a primeira ou uma das primeiras manifestações do Ser Perfeito.
Neste artigo explicamos este conceito presente nas seitas gnósticas.
A natureza do Nous no Gnosticismo
O Nous, no gnosticismo, é frequentemente entendido como a Mente ou o Intelecto Puro, que emana diretamente da Divindade incognoscível.
É a fonte de sabedoria e revelação dentro do Pleroma, a plenitude divina. Esta emanação é vista como perfeitamente espiritual e distinta do mundo material imperfeito [1].
O Nous como o primeiro Aeon
Em muitos sistemas gnósticos, o Nous é o primeiro Aeon, uma entidade divina gerada pelo Pai incognoscível. Ele é, por vezes, chamado de Mente do Pai, através da qual o restante do Pleroma se manifesta. Sua função é refletir e compreender a Divindade suprema.
Essa primazia estabelece o Nous como um modelo para a existência e a ordem dentro do reino espiritual. Ele precede outras emanações, como o Logos e a Sophia, orientando o processo de manifestação divina [2].

Conexão com a mente divina
O Nous é o aspecto da Divindade que compreende a si mesma, representando a autoconsciência divina. Ele serve como o canal primário para a transmissão da gnosis, o conhecimento salvífico, aos seres humanos. Através dele, a verdade espiritual é revelada.
Essa conexão enfatiza a imanência de um intelecto divino acessível àqueles que buscam a iluminação. A mente humana, ao se alinhar com o Nous, pode ascender ao conhecimento espiritual [3].
Nous e a Criação imperfeita
A distinção entre o Nous divino e o mundo material é uma pedra angular do pensamento gnóstico. Ele pertencente ao reino espiritual puro, contrasta radicalmente com a matéria, considerada inferior e imperfeita
Esta dualidade molda a soteriologia gnóstica.
O mundo material e o Nous
Para os gnósticos, o cosmos material não foi criado pelo Nous nem pelo Pai supremo.
Foi, em vez disso, obra de uma divindade inferior, o Demiurgo, resultante de um erro ou de uma paixão de Sophia, um dos Aeons do Pleroma [4]. O mundo material é, portanto, uma prisão para a centelha divina.
A criação do Demiurgo é descrita como um engano, uma tentativa de imitar as realidades superiores do Pleroma. No entanto, sua obra é deficiente, desprovida da verdadeira luz e sabedoria que emanam do Nous.

Redenção através do Nous
A redenção, no gnosticismo, implica o despertar da centelha divina interior e o reconhecimento de que o verdadeiro lar da alma está além do mundo material. O conhecimento proporcionado pelo Nous é crucial para este processo de libertação.
Jesus Cristo, nas cosmologias gnósticas, é frequentemente visto como um emissário do Nous. Ele veio para trazer a gnosis, revelando a verdadeira natureza da realidade espiritual e o caminho para o retorno ao Pleroma [5].
O Nous na consciência humana
A compreensão do Nous estende-se à sua presença dentro da humanidade. Os gnósticos acreditavam que uma porção ou “centelha” do Nous habita em certas pessoas, permitindo-lhes acessar a verdade espiritual.
A centelha divina
Dentro de cada indivíduo eleito, há uma centelha do Nous divino, aprisionada no corpo material. Esta centelha representa a verdadeira essência espiritual do ser humano, aguardando o despertar através da gnosis [6].
A existência desta centelha é o que diferencia os “pneumáticos” (espirituais) dos “psíquicos” (da alma) e “hílicos” (materiais). Somente os pneumáticos são capazes de alcançar a salvação completa.

O caminho do conhecimento (Gnosis)
O processo de salvação gnóstica não é alcançado pela fé ou pelas obras, mas pela gnosis — um conhecimento intuitivo e revelador. O Nous é a faculdade através da qual este conhecimento é recebido e compreendido.
A gnosis é o meio pelo qual a alma reconhece sua origem divina e compreende a ilusão do mundo material. É um conhecimento que liberta e eleva o indivíduo de volta ao reino espiritual [7].
Nous em diferentes sistemas gnósticos
O conceito de Nous é adaptado e interpretado de maneiras variadas nos diversos sistemas gnósticos, como o valentinianismo e o setianismo. Apesar das particularidades, sua função central como mente divina permanece.
No valentinianismo, por exemplo, ele é frequentemente identificado com o Cristo, o primeiro fruto do Pai. Ele é a inteligência que organiza e revela os mistérios do Pleroma [8].
No setianismo, ele pode ser associado a Set, o filho de Adão e a figura ancestral dos gnósticos setianos. Ele encarna a sabedoria e o conhecimento secreto transmitido através de linhagens espirituais [9].

Perspectiva bíblica sobre o Nous
De uma perspectiva cristã protestante, o conceito gnóstico de Nous apresenta divergências significativas com a teologia bíblica. A Bíblia apresenta uma visão diferente da origem do conhecimento, da natureza de Deus e do caminho da salvação.
Contrastes com a doutrina cristã
A Bíblia não postula uma dicotomia radical entre um Deus supremo incognoscível e um Demiurgo imperfeito. Pelo contrário, ela afirma que há um único Deus, Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis (Colossenses 1:16).
Deus é o Criador do cosmos material e espiritual, e sua criação é descrita como “muito boa” (Gênesis 1:31). Não há a ideia de uma centelha divina aprisionada que precisa ser libertada por um conhecimento secreto.
A origem da sabedoria e do conhecimento
A sabedoria e o conhecimento, na fé cristã, vêm de Deus através da revelação divina. A Bíblia é a fonte primária dessa revelação, e o Espírito Santo ilumina a mente dos crentes (1 Coríntios 2:10-16).
Jesus Cristo não é apenas um emissário de gnosis, mas o próprio Filho de Deus encarnado, que oferece salvação pela graça, mediante a fé em seu sacrifício expiatório (Efésios 2:8-9). A salvação é um dom, não um conhecimento secreto.
Em contraste com a busca gnóstica por uma gnosis oculta, o apóstolo Paulo adverte contra “falsamente chamada ciência” ou gnosis (1 Timóteo 6:20), que desvia da fé verdadeira.
A verdadeira sabedoria é encontrada em Cristo, em quem “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Colossenses 2:3).

Etimologia e significado de Nous
O termo “Nous” (νοῦς) tem origem na filosofia grega antiga, onde significa “mente”, “intelecto”, “razão” ou “compreensão”. Filósofos como Anaxágoras e Platão já utilizavam o termo para descrever um princípio ordenador ou a mente divina [10].
No gnosticismo, o termo “Nous” é adotado e ressignificado para expressar a natureza da mente divina que emana do Pai supremo. Ele se refere à capacidade de percepção intelectual direta e ao conhecimento espiritual profundo [11]. Distingue-se da mera racionalidade mundana, apontando para uma inteligência de ordem superior e divina.
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.
[Vídeo] GNOSTICISMO: A DOUTRINA QUE DESAFIOU A RELIGIÃO TRADICIONAL – Professor Responde 97. Prof. Jonathan Matthies.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, deste conceito importante para as seitas gnósticas.
O que são os nous no gnosticismo?
No gnosticismo, o Nous (Mente ou Intelecto) é frequentemente concebido como uma das primeiras emanações do Deus supremo e incognoscível (o Pleroma). É uma entidade divina, muitas vezes associada à primeira manifestação da inteligência ou sabedoria divina, desempenhando um papel crucial na hierarquia cósmica e na transmissão da Gnose (conhecimento salvífico).
Fontes
[1] Pagels, Elaine H. The Gnostic Gospels. Vintage Books, 1979.
[2] Layton, Bentley. The Gnostic Scriptures: A New Translation with Annotations and Introductions. Doubleday, 1987.
[3] Jonas, Hans. The Gnostic Religion: The Message of the Alien God and the Beginnings of Christianity. Beacon Press, 2001.
[4] Schaff, Philip. History of the Christian Church, Vol. II: Ante-Nicene Christianity A.D. 100-325. Hendrickson Publishers, 1997.
Demais fontes
[5] Robinson, James M. (ed.). The Nag Hammadi Library in English. HarperOne, 1990.
[6] Rudolph, Kurt. Gnosis: The Nature and History of Gnosticism. HarperSanFrancisco, 1983.
[7] Williams, Michael Allen. Rethinking Gnosticism: An Argument for Dismantling a Dubious Category. Princeton University Press, 1996.
[8] Pearson, Birger A. Gnosticism, Judaism, and Egyptian Christianity. Fortress Press, 1990.
[9] Turner, John D. Sethian Gnosticism: A Critical History of the Academic Study of the Sethian Tradition. Brill, 2001.
[10] Guthrie, W. K. C. A History of Greek Philosophy, Vol. II: The Presocratic Tradition from Parmenides to Democritus. Cambridge University Press, 1965.
[11] Liddell, Henry George, and Robert Scott. A Greek-English Lexicon. Oxford University Press, 1940.
- Nous (gnosticismo) – 17 de outubro de 2025
- Árvore da Vida – 9 de outubro de 2025
- Aliança de Noé – 1 de outubro de 2025