Multirreligioso

Multirreligioso: diversas fés coexistem e interagem, gerando debates sobre fé, missão e identidade em nosso mundo.

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10 minutos de leitura

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O conceito multirreligioso descreve um cenário onde diversas tradições de fé coexistem e interagem dentro de uma mesma sociedade ou contexto geográfico.

Este termo se tornou de grande relevância no debate teológico contemporâneo, pois aborda as complexas dinâmicas culturais de um mundo cada vez mais interconectado.

Compreender o significado e as implicações de um ambiente multirreligioso é fundamental para a reflexão sobre a fé, a missão e a identidade cristã.


A compreensão do cenário Multirreligioso

Um ambiente multirreligioso é caracterizado pela presença simultânea de múltiplas religiões, seitas e sistemas de crença em um mesmo contexto social ou geográfico.

Diferente de um contexto monocultural, onde uma única fé domina, o cenário multirreligioso permite que diversas religiões possam coexistir, garantindo a liberdade e a particularidade de cada uma. Sem interferência governamental ou supremacia de uma religião em detrimento das demais.

Influência da globalização

Esta realidade é impulsionada por fatores como a globalização, a migração e a facilidade de comunicação, que aproximam diferentes povos e suas cosmovisões [1].

Nesses contextos, indivíduos de diferentes credos vivem e trabalham lado a lado, o que naturalmente leva a interações e, por vezes, a desafios.

Instituições sociais, como escolas, hospitais e governos, precisam navegar por essa pluralidade, muitas vezes buscando políticas que garantam a liberdade religiosa e a igualdade de tratamento para todos os cidadãos, independentemente de sua filiação religiosa.

A coexistência pacífica e o respeito mútuo tornam-se aspirações importantes em tais sociedades.

Ilustração de um cenário Multirreligioso
Ilustração de um cenário Multirreligioso

Desafios e oportunidades no ambiente Multirreligioso

A presença de múltiplos sistemas de fé em um mesmo espaço apresenta tanto desafios complexos quanto oportunidades significativas para a reflexão e a prática da fé.

O perigo do sincretismo

Um dos principais desafios é a tentação do sincretismo, onde as fronteiras entre as distintas verdades de fé podem se tornar turvas.

O sincretismo leva a misturar elementos de diferentes religiões, criando novas formas de crença que podem comprometem a Fé genuína.

Para a fé cristã, isso pode significar a diluição de doutrinas centrais, como a exclusividade de Cristo como caminho para Deus [2].

Ilustração do sincretismo, estante com elementos de diversas religiões
Ilustração de representação do sincretismo, estante com elementos de diversas religiões

O perigo do relativismo

Outro desafio é o relativismo religioso, que propõe que todas as religiões são igualmente válidas ou que todos os caminhos levam à mesma verdade última.

Essa visão leva o indivíduo minar a crença na verdade objetiva da revelação divina e na importância das proposições da fé. A pressão para aceitar o relativismo pode ser forte em ambientes que valorizam a tolerância acima da distinção entre as verdades.

Adicionalmente, a diversidade religiosa pode, em alguns casos, gerar tensões e até conflitos, especialmente quando há diferentes compreensões sobre moralidade, leis ou o papel da religião na esfera pública.

Oportunidades para anunciar o Evangelho

Apesar dos desafios, o ambiente multirreligioso oferece oportunidades valiosas. Uma delas é a chance de aprofundar a própria fé por meio do contraste e do diálogo.

Ao interagir com outras visões de mundo, os crentes são levados a examinar mais atentamente as bases de suas próprias convicções e a articulá-las de forma mais clara e consistente [3].

Em um mundo multirreligioso, a prática da compaixão e da justiça, como ensinado nas Escrituras (Mateus 22:39; Filipenses 2:3-4), pode ser um testemunho poderoso da fé.

Por fim, este cenário apresenta um campo fértil para a proclamação do evangelho. O contato com pessoas de diferentes tradições cria a ocasião para compartilhar a mensagem de Cristo de maneira contextualizada e relevante, buscando responder às perguntas e anseios de outras cosmovisões.

A Grande Comissão. Vitral na Catedral de Saint Patrick, em El Paso
A Grande Comissão. Vitral na Catedral de Saint Patrick, em El Paso

Perspectiva bíblica sobre o Multirreligioso

A Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, aborda implicitamente o conceito de um mundo multirreligioso, embora não use o termo em si.

Ela descreve a relação de Deus com um mundo plural em suas crenças e práticas.

A pluralidade de crenças no Antigo Testamento

No Antigo Testamento, o povo de Israel vivia cercado por nações que praticavam diversas formas de politeísmo e idolatria. A narrativa bíblica constantemente contrasta a adoração ao Deus único e verdadeiro com as práticas religiosas dos povos vizinhos.

Os profetas, como Elias no confronto com os profetas de Baal (1 Reis 18), consistentemente denunciavam a idolatria e chamavam o povo de volta à fidelidade a Deus.

Isso demonstra uma clara distinção e uma afirmação da singularidade de Deus em meio a um contexto multirreligioso de sua época [4].

A lei mosaica, por exemplo, proibia expressamente a adoração a outros deuses (Êxodo 20:3), estabelecendo um padrão de monoteísmo exclusivo para Israel.

Gideão destruindo o Altar de Baal (gravura)
Gideão destruindo o Altar de Baal (gravura)

A singularidade de Cristo no Novo Testamento

O Novo Testamento mantém essa perspectiva de distinção e exclusividade. Jesus Cristo se apresenta como o caminho, a verdade e a vida, e afirma que ninguém vem ao Pai senão por Ele (João 14:6).

Os apóstolos, ao proclamarem o evangelho, confrontaram diretamente as divindades e filosofias pagãs de seu tempo

Em Atos 17, Paulo, ao falar no Areópago em Atenas, dialoga com filósofos e adoradores de múltiplos deuses, mas redireciona-os para o “Deus desconhecido” que criou todas as coisas e ressuscitou Jesus dentre os mortos.

Ele não busca uma síntese ou uma validação de suas crenças, mas uma revelação da verdade [5].

Apóstolo Paulo em Atenas proferindo o sermão no Areópago, retratada por Rafael em 1515
Apóstolo Paulo em Atenas proferindo o sermão no Areópago, retratada por Rafael em 1515

A Grande comissão

A Grande Comissão (Mateus 28:19-20) é dada em um contexto de um mundo multirreligioso, instruindo os seguidores de Cristo a irem e fazerem discípulos de todas as nações, ensinando-os a observar tudo o que

Ele ordenou. Isso implica a necessidade de engajamento com diferentes culturas e religiões, levando a mensagem transformadora do evangelho.


Implicações teológicas do contexto Multirreligioso

A realidade multirreligiosa força a teologia a confrontar questões profundas sobre a natureza da verdade, a revelação e a salvação.

Verdade e revelação

A fé cristã afirma que a verdade não é meramente subjetiva ou relativa, mas está enraizada na natureza de Deus e revelada de forma suprema em Jesus Cristo e nas Escrituras.

Em um ambiente multirreligioso, onde múltiplas “verdades” são proclamadas, a teologia precisa reafirmar a objetividade e a coerência da revelação divina.

Isso não significa desrespeito por outras crenças, mas uma firme convicção naquilo que foi revelado por Deus [3].

O conceito de revelação geral (Salmos 19:1; Romanos 1:19-20) indica que Deus se manifesta a todos os povos através da criação e da consciência, mas a revelação especial, culminando em Cristo e na Bíblia, é a fonte completa da verdade salvífica.

Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis
Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis

A questão da salvação

Uma das implicações mais desafiadoras do cenário multirreligioso diz respeito à questão da salvação.

A Bíblia ensina consistentemente que a salvação é alcançada pela graça, por meio da fé em Jesus Cristo (Efésios 2:8-9; Atos 4:12).

Em contraste com visões que sugerem múltiplos caminhos para Deus ou que a sinceridade em qualquer religião é suficiente para a salvação, a perspectiva bíblica aponta para a exclusividade da obra redentora de Cristo.

Isso coloca uma responsabilidade missionária significativa sobre os crentes em um mundo multi-religioso.


Diálogo inter-religioso e o cenário multirreligioso

O diálogo inter-religioso tem se tornado uma prática comum no cenário multirreligioso. Ele se refere à interação construtiva, cooperativa e positiva entre pessoas de diferentes tradições religiosas, tanto em nível individual quanto institucional.

O principal propósito do diálogo não é o sincretismo ou a busca por uma religião universal, mas sim a promoção do entendimento mútuo, a construção de pontes e a dissipação de estereótipos.

Por meio do diálogo, os participantes podem aprender sobre as crenças e práticas uns dos outros, identificar áreas de preocupação comum (como justiça social, paz e cuidado com a criação) e buscar cooperação em projetos que beneficiem a sociedade [6].

Para a fé cristã, o diálogo oferece uma oportunidade de demonstrar respeito e amor ao próximo, e de testemunhar sobre a esperança que se encontra em Cristo, não de forma agressiva, mas de maneira que honra a dignidade do interlocutor.

O diálogo não significa comprometer a própria fé, mas sim expressá-la de forma autêntica e compreensível em um contexto de diversidade.

Ilustração de um diálogo Inter-religioso
Ilustração de um diálogo Inter-religioso. Um rabino judeu e um pastor presbiteriano

Significado de Multirreligioso

O termo multirreligioso é composto por duas partes:

  • Multi-: É um prefixo de origem latina que significa “muitos”, “numerosos” ou “diversos”.
  • Religioso: Deriva do latim religiosus, que significa “relacionado à religião”, “piedoso” ou “devoto”. O termo religio (religião) tem sido objeto de debate etimológico, mas geralmente se associa à ideia de “ligar novamente” (do latim religare) ou “observância escrupulosa” (relegere) [7].

Portanto, o significado de multirreligioso descreve um ambiente, uma sociedade ou um fenômeno que é caracterizado pela presença e interação de múltiplas religiões ou sistemas de crença.

Ele denota a coexistência de diversas tradições de fé em um mesmo espaço, com as implicações sociais, culturais e teológicas que essa pluralidade acarreta.


Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] A História do Cristianismo Como Você Nunca Viu | Episódio 01. Escola do Discípulo.


Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo tão presente em nossos dias.

O que é multirreligioso?

Multirreligioso refere-se a um ambiente, sociedade ou situação que envolve ou é composto por múltiplas religiões diferentes. Indica a presença e coexistência de diversas crenças e práticas religiosas em um mesmo contexto.

O que é um estado multirreligioso?

Um estado multirreligioso é um país ou nação onde há a presença e reconhecimento de várias religiões entre sua população. Geralmente, esses estados promovem a liberdade religiosa e não adotam uma única religião oficial, permitindo a coexistência pacífica de diferentes fés.

Como se escreve multirreligioso?

Escreve-se multirreligioso, com “rr” duplo e sem hífen. A regra é que, quando o prefixo “multi” é seguido por uma palavra que começa com “r”, o “r” é duplicado para manter o som forte.


Fontes

[1] Netland, Harold A. Encountering Religious Pluralism: The Challenge to Christian Faith & Mission. IVP Academic, 2001.

[2] Carson, D.A. The Gagging of God: Christianity Confronts Pluralism. Zondervan, 1996.

[3] Keller, Timothy. A Razão para Deus: Crença na Era do Ceticismo. Vida Nova, 2008.

Demais fontes

[4] Wright, Christopher J. H. A Missão de Deus: Desvendando a Grande Narrativa Bíblica. Editora Hagnos, 2008.

[5] Blomberg, Craig L. Comentário Exegético sobre o Novo Testamento: Mateus. Editora Central Gospel, 2006. (Ou um comentário sobre Atos para a seção de Paulo no Areópago).

[6] Volf, Miroslav. Exclusion and Embrace: A Theological Exploration of Identity, Otherness, and Reconciliation. Abingdon Press, 1996.

[7] “Religion.” Online Etymology Dictionary. Disponível em: https://www.etymonline.com/word/religion.

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Diego Pereira do Nascimento
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