Laicismo

Laicismo é uma ideologia radical que prega a exclusão da religião na sociedade, negando qualquer tipo de participação da religião no Estado.

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O laicismo é uma ideologia que, embora partilhe a raiz com a laicidade, representa uma postura mais radical na separação entre religião e Estado. Esta ideologia possui implicações significativas para a sociedade e, em particular, para as diferentes comunidades religiosas.

Enquanto a laicidade busca a neutralidade e a igualdade de tratamento para todas as crenças no espaço público, o laicismo defende a completa exclusão da religião da esfera pública. Em essência, ele busca uma secularização mais profunda da sociedade e das instituições políticas.

Neste artigo apresentamos um pouco da origem deste termo, as formas como ele se manifesta na sociedade, a visão protestante sobre esta ideologia, assim como seus perigos para a fé e sociedade.


Origem e história do laicismo

A origem do laicismo está ligada aos movimentos que buscaram redefinir a relação entre religião, políticas e sociedade nos séculos XVI e XVII, como o Iluminismo e a Revolução Francesa.

Neste seção apresentamos um pouco de sua história e origem.

Raízes iluministas do laicismo

O laicismo começou a tomar forma no século XVII, durante o Iluminismo europeu, um período marcado pelo questionamento da autoridade religiosa sobre a política e a sociedade.

Pensadores como John Locke, em sua Carta sobre a Tolerância (1689), argumentaram pela separação entre Igreja e Estado, defendendo que o governo deveria ser neutro em questões religiosas para garantir a liberdade individual.

John Locke via a religião como uma questão de consciência pessoal, não subordinada ao controle estatal. Suas ideias lançaram as bases para a laicidade, mas também abriram caminho para interpretações mais radicais, que evoluiriam para o laicismo. [1]

Leitura da tragédia de Voltaire, O Órfão da China , no salão de Marie Thérèse Rodet Geoffrin em 1755, por Anicet Charles Gabriel Lemonnier, ano de 1812. Iluminismo
Leitura da tragédia de Voltaire, O Órfão da China , no salão de Marie Thérèse Rodet Geoffrin em 1755, por Anicet Charles Gabriel Lemonnier, ano de 1812

Outros iluministas, como Voltaire, foram mais críticos à influência das instituições religiosas, especialmente da Igreja Católica, que dominava a vida política e cultural na Europa.

Voltaire defendia uma sociedade guiada pela razão, onde a religião deveria ser subordinada ao interesse público. Essas ideias começaram a moldar uma visão secularista que, em alguns casos, ultrapassava a neutralidade e buscava limitar o papel da religião na esfera pública. [2]

Revolução Francesa e a secularização radical

O marco mais significativo para o laicismo foi a Revolução Francesa (1789-1799). Durante esse período, o Estado francês buscou romper com o poder da Igreja Católica, que por séculos exerceu influência sobre a política, a educação e a moral pública.

A revolução tomou propriedades eclesiásticas, aboliu os privilégios da Igreja Católica e promoveu uma “religião cívica” secular, como o Culto da Razão, que substituiu símbolos cristãos por ideais republicanos. Essas ações refletiam uma postura laicista, que não apenas separava Igreja e Estado, mas também tratava a religião de forma hostil, como se fosse algo perigoso para a sociedade. [3]

A Revolução Francesa consolidou esta ideologia que via a religião como um obstáculo ao progresso social e político. Políticas como a secularização das escolas e a proibição de práticas religiosas em espaços públicos começaram a surgir, estabelecendo um precedente para futuros movimentos laicistas. [3]

La Liberté guidant le peuple - Eugène Delacroix. Uma das principais pinturas da Revolução Francesa
La Liberté guidant le peuple – Eugène Delacroix. Uma das principais pinturas da Revolução Francesa

Consolidação do laicismo no século XIX

No século XIX, esta ideologia ganhou força em vários países, especialmente na França, com a Lei de Separação de 1905, que formalizou a exclusão da religião da esfera estatal. Essa legislação proibiu o financiamento estatal de instituições religiosas e removeu símbolos religiosos de espaços públicos, como escolas e tribunais. [4]

Esse modelo francês influenciou outros países, como México e Turquia, que adotaram políticas laicistas no início do século XX. [5]

No entanto, a aplicação desta ideologia frequentemente gerou tensões, pois, em vez de promover pluralismo, muitas vezes resultou na marginalização de comunidades religiosas e na imposição de uma visão de mundo secularista. [5]


Manifestações do laicismo na sociedade

O laicismo pode se manifestar de várias formas dentro de uma sociedade. Muitas vezes transvestido de boas ideias, que buscam a liberdade e a igualdades entre os diferentes grupos sociais.

Nesta seção apresentamos suas principais manifestações na sociedade.

Proibição de símbolos religiosos

Uma de suas manifestações mais visíveis na sociedade é a proibição de símbolos religiosos em espaços públicos, como escolas, tribunais e prédios governamentais. Isso inclui a remoção de crucifixos, menorás, ou a restrição de vestimentas religiosas, como o véu islâmico, o quipá judaico ou o turbante sique.

Essas medidas são frequentemente justificadas como necessárias para preservar a neutralidade do Estado, mas podem limitar a expressão individual de fé.

Crucifixo da parede do STF brasileiro
Crucifixo da parede do STF brasileiro

Por exemplo, na França, a Lei de 2004 proibiu o uso de símbolos religiosos ostensivos em escolas públicas, gerando controvérsias sobre a liberdade religiosa, especialmente para minorias como muçulmanos e judeus. [3]

Essa abordagem pode criar um ambiente onde a identidade religiosa é reprimida, violando princípios de liberdade individual consagrados em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 18, 1948).

Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 18, 1948)

Restrição da educação religiosa

O laicismo também se manifesta na exclusão de conteúdos religiosos do currículo escolar, mesmo em contextos históricos, culturais ou optativos.

Em algumas jurisdições, qualquer menção à religião em escolas públicas é evitada, sob o argumento de que a educação deve ser estritamente secular. Essa prática priva os alunos de uma compreensão plural da história e da cultura, nas quais a religião desempenha um papel central.

Por exemplo, a exclusão de estudos sobre o impacto do cristianismo na formação da ética ocidental ou do islamismo na ciência medieval limita a formação intelectual dos estudantes. [4]

Além disso, a proibição de disciplinas optativas de educação religiosa, que respeitem a diversidade de crenças, pode marginalizar comunidades religiosas e reforçar uma visão secularista que desvaloriza a fé como componente cultural. [2]

Moça lendo a Bíblia
Moça lendo a Bíblia, um exemplo de Ortopraxia Cristã

Silenciamento da voz religiosa

Outra manifestação desta ideologia é a deslegitimação de argumentos baseados em valores religiosos em debates políticos e sociais.

Sob a alegação de que a religião não deve influenciar a esfera pública, vozes religiosas são frequentemente silenciadas ou desqualificadas, o que restringe a participação cívica de comunidades de fé.

Por exemplo, quando líderes religiosos ou cidadãos expressam posições éticas fundamentadas em suas crenças sobre questões como bioética ou justiça social, essas perspectivas podem ser descartadas como irrelevantes ou sectárias.

Esse silenciamento marginaliza grupos religiosos, impedindo-os de contribuir para o diálogo público e enfraquecendo a pluralidade democrática. [5]

Secularização de espaços e políticas públicas

Esta ideologia também se manifesta na imposição de políticas públicas que priorizam uma visão secular em detrimento da diversidade religiosa. Isso inclui a substituição de feriados religiosos por celebrações seculares ou a criação de normas que dificultam a prática religiosa, como restrições a cultos em espaços públicos.

Em alguns países, regulamentações excessivas sobre o funcionamento de instituições religiosas, como igrejas ou escolas confessionais, refletem uma postura laicista que limita a autonomia dessas organizações. [6]


Perspectiva cristã sobre o laicismo

Na cosmovisão cristã, a fé não é apenas uma questão privada, mas um chamado para influenciar todas as esferas da vida do cidadão e da sociedade. Jesus nos instruiu para sermos “sal da terra” e “luz do mundo” (Mt 5:13-16), o que implica uma responsabilidade de viver e compartilhar os valores cristãos com a sociedade.

O laicismo, ao buscar excluir a religião da esfera pública, se coloca como uma barreira a esta missão, restringindo a influência cristã sobre a sociedade. [7]

Perda de valores morais

Historicamente, o cristianismo tem fornecido uma base moral para a sociedade. A remoção de sua influência leva a um vazio ético, onde valores relativistas ou utilitaristas predominam [8].

Nisto vemos a decadência moral do ocidente nas últimas décadas, com o crescente desrespeito pelas opiniões contrárias.

Hostilidade e indiferença aos legado do Cristianismo

O laicismo possui uma atitude hostil e indiferente aos cristianismo, ignorando as bases cristãs da sociedade ocidental e sua importância na formação de seus governos. [3]

É ignorado que a criação de universidades foi algo iniciado e estabelecido pela Igreja Católica na Baixa Idade Média, como forma de estudar e compreender a Criação de Deus. Enquanto as escolas civis são criação das denominações protestantes do século XVII, que na buscavam ensinar a leitura para os cidadão comuns poderem ler a Bíblia por si mesmos.

Mosaico de Cristo crucificado
Mosaico de Cristo crucificado

Etimologia e significado de lacismo

O laicismo tem suas raízes etimológicas no termo grego laikos (λαϊκός), que significa “do povo” ou “leigo”, em oposição ao clero ou às instituições religiosas.

O sufixo “-ismo” confere ao termo uma conotação ideológica, indicando uma doutrina que promove a exclusão ou minimização da influência religiosa na esfera pública.


Aprenda mais

[Vídeo] Laicismo e Laicidade. Teologia Liberada.


Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo.

Qual é o conceito de laicismo?

O laicismo é uma ideologia que defende uma separação radical da fé e do Estado, reprimindo a atuação de qualquer religião na sociedade.

O que o laicismo defende?

O laicismo francês, também chamado de secularismo, é um princípio político que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado, estabelecendo que questões religiosas devem ser restritas à esfera privada do indivíduo e não podem ser expressas na vida pública.

A China é um Estado ateu?

A China adota oficialmente o ateísmo de Estado. No entanto, muitos cidadãos chineses, incluindo membros do Partido Comunista da China (PCC), praticam alguma forma de religião popular chinesa, como o budismo.


Fontes

[1] Locke, J. (1689). A Letter Concerning Toleration. Hackett Publishing.

[2] Taylor, C. (2007). A Secular Age. Harvard University Press.

[3] Berger, P. L. (1999). The Desecularization of the World: Resurgent Religion and World Politics. Wm. B. Eerdmans Publishing.

[4] Hunter, J. D. (1991). Culture Wars: The Struggle to Define America. Basic Books.

[5] Smith, C. (2003). The Secular Revolution: Power, Interests, and Conflict in the Secularization of American Public Life. University of California Press.

[6] Casanova, J. (1994). Public Religions in the Modern World. University of Chicago Press.

[7] Schaeffer, F. A. (1982). A Christian Manifesto. Crossway Books.

[8] Neuhaus, R. J. (1984). The Naked Public Square: Religion and Democracy in America. Wm. B. Eerdmans Publishing.

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Diego Pereira do Nascimento
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