Josefismo

O josefismo foi uma política de José II que subordinava a Igreja ao Estado, inspirada pelo Iluminismo e pela centralização do poder.

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11 minutos de leitura

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O josefismo, também conhecido como josefinismo, foi um movimento e uma teoria política e religiosa implementada durante o reinado de José II, Sacro Imperador Romano-Germânico.

Essa doutrina marcou uma transformação nas relações entre a Igreja Católica e o Estado nos territórios controlados pelos Habsburgos, promovendo a subordinação da Igreja às autoridades seculares.

Neste artigo apresentamos a história deste movimento, seus princípios e as críticas levantadas sobre ele.


História do josefismo

O josefismo surgiu no contexto do Iluminismo, período marcado pelo fortalecimento das ideias de racionalidade, secularismo, centralização do poder e reforma das instituições tradicionais na Europa do século XVIII.

Esse movimento intelectual valorizava a razão como fundamento para a organização social e política, promovendo o espírito crítico e a busca pelo progresso, ao mesmo tempo em que desafiava tradições religiosas, estruturas feudais e a autoridade absoluta da Igreja.

Nesse ambiente de transformações, José II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e soberano da dinastia Habsburgo, procurou aplicar os princípios iluministas à administração do Estado.

Seu objetivo era modernizar o Império Habsburgo, racionalizando suas estruturas e consolidando o poder estatal.

Para isso, José II promoveu uma série de reformas que incluíam maior tolerância religiosa, reorganização do sistema judiciário, centralização administrativa e, especialmente, a limitação da influência da Igreja Católica em assuntos civis e políticos.

Nesse contexto, o josefismo tornou-se uma política de subordinação da Igreja ao Estado, reduzindo o poder do clero, fechando conventos considerados improdutivos, reformando a educação religiosa e exigindo que todas as decisões eclesiásticas passassem pelo controle estatal.

A autoridade papal foi significativamente restringida, e o imperador passou a se ver como o principal regulador da vida religiosa dentro de suas fronteiras. [1]

José II do Sacro Império Romano-Germânico. Criador do josefismo
José II do Sacro Império Romano-Germânico. Criador do josefismo

Influências do iluminismo

Influenciado por pensadores iluministas como Voltaire, que defendia a tolerância religiosa, e Montesquieu, que propunha a separação de poderes, José II enxergava o Estado como o principal agente de progresso.

Ele acreditava que a centralização do poder e a secularização das instituições eram essenciais para fortalecer a monarquia e promover o bem-estar da população. Suas reformas, conhecidas como “reformas josefinas”, abrangiam administração, educação, legislação e o papel da Igreja, com o objetivo de racionalizar e modernizar o governo. [2]

Influências do galicanismo

O galicanismo, com sua ênfase na autonomia da Igreja francesa frente ao papado, influenciou profundamente o josefismo de José II.

O galicanismo inspirou José II a limitar o poder da Igreja Católica, promovendo um Estado secular. Suas reformas, como a dissolução de mosteiros contemplativos e a nacionalização de bens eclesiásticos, refletem a ideia de controle estatal (Poder Civil) sobre a Igreja Católica do galicanismo. [9]

A tolerância religiosa josefina, alinhada ao espírito iluminista, reflete princípios protestantes de liberdade de consciência, embora adaptados a um contexto católico. [11]

Influências do jansenismo

Assim como o galicanismo, o jansenismo influenciou o imperador José II a questionar a autoridade do papa sobre a Igreja Católica.

Suas reformas, como a supressão de ordens religiosas contemplativas e a secularização de bens eclesiásticos [11], refletem o espírito jansenista de simplificação e controle estatal sobre a Igreja.

Além disso, a promoção da educação pelo Estado, e não mais pela Igreja Católica, e da tolerância religiosa pelo josefismo ecoa o apelo jansenista por uma fé mais racional e menos clerical. [17]

Podemos dizer que o jansenismo forneceu um modelo para o José II fortalecer sua visão de um Estado laico e centralizado no poder civil.

Papa Clemente XI, que combateu o jansenismo
Papa Clemente XI, que combateu o jansenismo

As reformas josefinas

As reformas de José II, implementadas principalmente na Áustria, Boêmia, Hungria e outras regiões sob domínio dos Habsburgos, buscavam redefinir a relação entre Igreja e Estado, além de promover mudanças estruturais na sociedade.

Entre as principais medidas, se destacam:

  • Édito de Tolerância;
  • Secularização de propriedades eclesiásticas;
  • Controle estatal sobre a Igreja;
  • Reformas na educação e administração.

Édito de Tolerância

O Édito de Tolerância foi uma das reformas mais emblemáticas de José II. Ele garantiu liberdade religiosa limitada a protestantes e cristãos ortodoxos, permitindo-lhes praticar sua fé publicamente e ocupar cargos públicos, algo até então restrito aos católicos.

Essa medida desafiava a exclusividade da Igreja Católica, que historicamente dominava a vida religiosa e política nos territórios dos Habsburgos. [3]

O Édito de Tolerância de 1782
O Édito de Tolerância de 1782

Secularização de propriedades eclesiásticas

José II suprimiu mosteiros considerados “improdutivos” (aqueles sem funções sociais, como ensino ou assistência), secularizando suas propriedades.

Os recursos confiscados foram redirecionados para financiar a criação de escolas, hospitais e outras instituições estatais, alinhando-se à visão iluminista de utilidade pública. Essa medida gerou forte oposição do clero, que via suas propriedades e influência reduzidas. [4]

Controle estatal sobre a Igreja

Por meio de decretos como a Patente de 1783, José II transferiu o controle de nomeações eclesiásticas do papa para o imperador, limitando a autoridade do Vaticano nos territórios dos Habsburgos.

Ele também aboliu isenções e privilégios papais que, segundo ele, comprometiam a soberania do monarca. Essas ações reforçaram a ideia de que a Igreja deveria estar subordinada aos interesses do Estado, consolidando o conceito de cesaropapismo no Império Habsburgo. [5]

Reformas na educação e administração da Igreja Católica

Além das mudanças eclesiásticas, José II promoveu a modernização da educação, criando escolas estatais e reduzindo a influência da Igreja nesse setor.

Ele também reformou a administração pública, introduzindo códigos legais mais uniformes e reduzindo privilégios feudais, com o objetivo de aumentar a eficiência e a igualdade perante a lei. [6]

Resistências da Igreja Católica Romana ao josefismo

As reformas josefinas enfrentaram forte resistência de diversos setores. O clero, que perdeu poder e recursos, opôs-se vigorosamente às medidas secularizantes.

Setores conservadores da nobreza e da sociedade, que viam a Igreja como pilar da ordem social, também resistiram às mudanças.

Além disso, a implementação das reformas variava entre as regiões do Império, sendo mais intensa na Áustria e na Boêmia, mas enfrentando obstáculos na Hungria e em outras áreas com forte tradição local.

Após a morte de José II, em 1790, muitas de suas reformas foram revertidas ou suavizadas por seu sucessor, Leopoldo II, devido à pressão popular e política. [7]

A Fresco No Teto Da Catedral de Roma
A Fresco No Teto Da Catedral de Roma

Legado do josefismo

O josefismo representou uma tentativa ousada de modernizar o Império Habsburgo sob os ideais iluministas, promovendo a centralização estatal e a secularização.

Embora muitas reformas tenham sido temporárias, elas influenciaram movimentos posteriores de secularismo e modernização na Europa.

O Édito de Tolerância, por exemplo, foi um marco na promoção da liberdade religiosa, enquanto a ênfase na educação estatal pavimentou o caminho para sistemas educacionais mais acessíveis. Contudo, a resistência às reformas também destacou os limites do reformismo iluminista em contextos profundamente tradicionais. [8]


Princípios do josefismo

O josefismo baseava-se em alguns princípios fundamentais que refletiam os ideais iluministas e a visão de José II de um Estado centralizado e eficiente.

Os princípios do josefismo são:

  • Supremacia do Estado sobre a Igreja;
  • Secularização da administração eclesiástica;
  • Tolerância religiosa;
  • Educação e utilidade social;
  • Soberania nacional.

Supremacia do Estado sobre a Igreja

O princípio central do Josefismo era a subordinação da Igreja às leis e autoridades estatais. José II acreditava que a Igreja deveria limitar-se a questões espirituais, enquanto o Estado controlaria aspectos administrativos, como nomeações de bispos, gestão de propriedades eclesiásticas e aplicação de leis. [9]

Secularização da administração

A administração da Igreja, incluindo a gestão de seminários, paróquias e bens eclesiásticos, foi transferida para o controle estatal. Isso incluía a criação de um clero “funcionário público”, pago pelo Estado e sujeito às suas diretrizes. [10]

Tolerância religiosa

Embora o catolicismo permanecesse a religião oficial, José II promoveu uma tolerância limitada a outras denominações cristãs, como luteranos e calvinistas, e, em menor grau, aos judeus.

Essa política visava integrar minorias religiosas ao Império, mas também reduzir o monopólio da Igreja Católica. [11]

A Grande Comissão. Vitral na Catedral de Saint Patrick, em El Paso
A Grande Comissão. Vitral na Catedral de Saint Patrick, em El Paso

Educação e utilidade social

José II enfatizava a utilidade social das instituições religiosas. Mosteiros contemplativos, considerados “inúteis” por não contribuírem diretamente para a sociedade, foram dissolvidos, e seus recursos foram redirecionados para fins seculares, como a educação pública. [10]

Soberania nacional

O Josefismo rejeitava qualquer interferência externa, especialmente do papado, nos assuntos internos do Império. Isso incluía a supressão de bulas papais e privilégios que contrariassem a autoridade do monarca. [12]


Críticas ao josefismo

O josefismo enfrentou forte oposição, especialmente da Igreja Católica e de teólogos que viam suas reformas como uma afronta à autoridade divina e à tradição eclesiástica.

Nesta seção apresentamos as principais críticas a este movimento teológico do século XVIII.

Ameaça à autoridade papal

A transferência de poderes eclesiásticos do papa para o Estado foi vista como uma violação do princípio de supremacia papal. Teólogos argumentavam que, ao subordinar a Igreja ao Estado, José II desafiava a doutrina católica de que a Igreja era uma instituição divina, independente das autoridades seculares. [13]

O papa Pio VI, em uma visita histórica a Viena em 1782, tentou dissuadir José II de suas reformas, mas não obteve sucesso. [14]

Secularização da fé

Críticos teológicos acusavam o Josefismo de reduzir a religião a uma função utilitária, despojando-a de seu caráter sagrado.

A dissolução de mosteiros contemplativos, por exemplo, foi vista como um ataque à vida espiritual, já que essas instituições eram dedicadas à oração e à contemplação, valores centrais do catolicismo. [15]

Pintura do papa Pio VI
Pintura do papa Pio VI

Ruptura com a tradição

As reformas josefinas romperam com séculos de tradição em que a Igreja exercia influência significativa na sociedade. Teólogos argumentavam que a subordinação da Igreja ao Estado abria caminho para a secularização e o enfraquecimento da fé cristã nos territórios dos Habsburgos. [13]

Impacto nas comunidades locais

A secularização de bens eclesiásticos e a imposição de um clero estatal geraram descontentamento entre as comunidades locais, que viam a Igreja como uma instituição essencial para sua identidade cultural e espiritual.

Essa resistência foi particularmente forte em regiões rurais da Europa, onde as reformas eram percebidas como imposições de uma elite urbana iluminista. [16]


Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] What Is Josephinism? Europe Through the Ages.


Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo.

O que significa Josefinismo?

Josefismo é o nome dado à forma de governo idealizada por José II (1741–1790), imperador do Sacro Império Romano-Germânico, que visava submeter a Igreja à autoridade do Estado.


Fontes

[1] Encyclopedia Britannica. (2023). Joseph II, Holy Roman Emperor.

[2] Oxford Reference. (2023). Josephinism.

[3] Encyclopedia.com. (2023). Toleration, Edict of.

[4] Cambridge University Press. (2023). Joseph II.

[5] American Historical Review. (2003). Joseph II and the Limits of Enlightened Absolutism.

[6] Encyclopedia Britannica. (2023). Habsburg Dynasty.

[7] Encyclopedia.com. (2023). Joseph II.

[8] Oxford Handbooks Online. (2023).

[9] Blanning, T. C. W. (1994). Joseph II and Enlightened Despotism. London: Routledge.

[10] Ingrao, Charles W. (2000). The Habsburg Monarchy, 1618–1815. Cambridge: Cambridge University Press.

[11] Beales, Derek. (2009). Joseph II: In the Shadow of Maria Theresa, 1741–1780. Cambridge: Cambridge University Press.

[12] Okey, Robin. (2002). The Habsburg Monarchy: From Enlightenment to Eclipse. New York: St. Martin’s Press.

[13] Van Kley, Dale K. (1996). The Religious Origins of the French Revolution. New Haven: Yale University Press.

[14] Pastor, Ludwig. (1952). The History of the Popes. St. Louis: B. Herder Book Co.

[15] Dickson, P. G. M. (1987). The Financial Revolution in England. London: Macmillan.

[16] Kann, Robert A. (1974). A History of the Habsburg Empire, 1526–1918. Berkeley: University of California Press.

[17] Doyle, W. (2000). Jansenism: Catholic Resistance to Authority. Macmillan.

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Diego Pereira do Nascimento
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