O termo inter-religioso descreve a interação e o relacionamento entre diferentes tradições religiosas, abrangendo desde o simples reconhecimento da existência mútua até o engajamento profundo em diálogo e colaboração.
Em um mundo cada vez mais conectado, a compreensão deste conceito torna-se essencial para a teologia moderna e para a prática da Fé em diversas sociedades.
Este artigo explora os fundamentos e as implicações do engajamento inter-religioso, especialmente sob uma perspectiva cristã.
Compreendendo o diálogo Inter-religioso
O conceito de inter-religioso vai muito além da mera coexistência de múltiplas religiões em um mesmo espaço (o que seria multi-religioso ou pluri-religioso). Ele implica uma dinâmica de encontro, troca e interação, seja ela formal ou informal [1].
Tal engajamento busca a compreensão mútua, a construção de pontes e a superação de preconceitos, sem necessariamente buscar a unificação doutrinária ou a conversão.
Para muitos, a interação inter-religiosa é uma necessidade prática e ética diante dos desafios globais e da diversidade cultural e religiosa presente em quase todas as nações [2].
Essa interação pode ocorrer em vários níveis, desde conversas cotidianas entre vizinhos de diferentes credos até conferências acadêmicas e iniciativas de paz organizadas por líderes religiosos.

O objetivo não é diluir as particularidades de cada fé, mas promover um ambiente de respeito e, quando possível, de colaboração em torno de valores e objetivos comuns que beneficiem a sociedade [3].
Um exemplo de diálogo inter-religioso, é quando diferentes lideranças religiosas se juntam para tratar de alguma situação em benefício da sociedade como um todo, como:
- Arrecadação de alimentos para os necessidade;
- Auxílio a comunidades em situação de vulnerabilidade;
- Auxílio em situações de catástrofe, como enchentes, terremotos e etc.
Perspectivas Bíblicas e Teológicas sobre o Engajamento Inter-religioso
A Bíblia, embora centrada na revelação de Deus ao povo de Israel e, posteriormente, em Jesus Cristo, não ignora a existência e a complexidade de outras crenças e culturas. Pelo contrário, ela oferece princípios e exemplos que podem guiar o engajamento inter-religioso.
Fundamentos na revelação de Deus
A soberania universal de Deus é um fundamento teológico importante. Salmos 24:1 afirma: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam”. Isso significa que Deus é o criador e sustentador de toda a humanidade, independentemente de sua filiação religiosa.
A graça comum de Deus se estende a todos, manifestada na provisão para a vida, na capacidade humana de criar beleza e ordem, e na existência de um senso inato de moralidade [4].
Essa perspectiva pode levar a um reconhecimento de que elementos de verdade e virtude podem ser encontrados em outras culturas e tradições, mesmo que de forma incompleta ou distorcida em relação à plenitude revelada em Cristo.

Exemplos de encontro e diálogo inter-religioso
As Escrituras registram diversos momentos de interação entre o povo de Deus e aqueles que seguiam outras tradições:
Abraão e Melquisedeque (Gênesis 14:18-20)
Abraão, pai da fé, recebe a bênção de Melquisedeque, “sacerdote do Deus Altíssimo”, que não fazia parte da linhagem sacerdotal de Israel. Este encontro sugere que Deus atuava e se revelava de maneiras diversas, mesmo antes do estabelecimento formal da nação de Israel.
Acolhimento de Rute (Rute 1)
Rute, uma moabita, uma estrangeira de um povo com práticas religiosas distintas, é acolhida na comunidade de Israel e se torna parte da linhagem de Davi e, consequentemente, de Jesus.
Ela se converteu ao Deus de Israel, este exemplo ilustra hospitalidade, para com aqueles de outras origens, é um caminho para conduzi-los para a verdadeira Fé.
Profetas e Nações (Jonas, Jeremias)
Profetas como Jonas foram enviados para proclamar a mensagem de Deus a nações estrangeiras como Nínive, que não adoravam o Deus de Israel. A resposta ao arrependimento de Nínive demonstra a preocupação de Deus com todas as pessoas e a capacidade de diferentes povos de responderem à Sua voz [5].
Paulo em Atenas (Atos 17:22-31)
O apóstolo Paulo, no Areópago, realizou um diálogo com filósofos gregos e adoradores de ídolos.
Ele começa reconhecendo a religiosidade deles e identificando pontos de contato, como o “deus desconhecido” e citações de poetas gregos, para então apresentar o Deus verdadeiro e o evangelho de Jesus Cristo.
Este é um exemplo clássico de como a fé cristã pode se engajar com outras cosmovisões, buscando pontos de convergência para o testemunho.

O Amor ao Próximo e a Missão Cristã
O mandamento de amar o próximo como a si mesmo (Mateus 22:39) é um princípio fundamental que deve guiar todas as interações cristãs, incluindo aquelas com pessoas de outras religiões.
Este amor se manifesta no respeito, na escuta atenta, na busca pela justiça e na disposição de servir. O diálogo inter-religioso, quando conduzido com amor e integridade, pode ser uma expressão prática desse mandamento.
A Grande Comissão (Mateus 28:19-20), que instrui os seguidores de Cristo a fazer discípulos de todas as nações, não é contraditória ao engajamento inter-religioso. Pelo contrário, um diálogo respeitoso pode criar o contexto para um testemunho mais eficaz e menos confrontacional.
O diálogo não substitui a proclamação do evangelho, mas pode remover barreiras e abrir caminhos para que essa proclamação seja recebida [6].

Propósitos do diálogo Inter-religioso
O engajamento inter-religioso pode assumir diversas formas, cada uma com seus próprios propósitos e características.
Diálogo da Vida
Refere-se à convivência diária e ao compartilhamento de experiências comuns entre pessoas de diferentes crenças. É o nível mais básico e espontâneo, ocorrendo em vizinhanças, escolas e locais de trabalho, onde o respeito mútuo e a amizade se desenvolvem organicamente.
Diálogo da Ação
Envolve a colaboração em iniciativas conjuntas para abordar problemas sociais e humanitários, como a promoção da paz, a defesa dos direitos humanos, a justiça social e a proteção ambiental. Aqui, as diferenças teológicas são postas de lado em prol de um bem comum.
Diálogo do Intercâmbio Teológico
Consiste em discussões mais formais e aprofundadas sobre as doutrinas, crenças e práticas de cada religião. O objetivo é aprimorar a compreensão mútua, esclarecer mal-entendidos e reconhecer as singularidades de cada fé, sem a intenção de converter ou de comprometer a própria convicção.
Diálogo da Experiência Religiosa
Envolve a partilha de vivências espirituais, de formas de oração, meditação ou devoção. Não se trata de participar das práticas alheias, mas de ouvir e compreender o significado dessas experiências para o outro, reconhecendo a dimensão espiritual inerente à vida humana [7].
Desafios e cuidados no contexto inter-religioso
Embora o engajamento inter-religioso ofereça muitas oportunidades, ele também apresenta desafios significativos que exigem discernimento e clareza teológica.
Preservação da Identidade Cristã
Um dos principais desafios é evitar o sincretismo, que é a fusão de diferentes crenças e práticas religiosas, ou o relativismo, que sugere que todas as religiões são igualmente válidas e conduzem ao mesmo destino ou à mesma verdade.
Para o cristão, a convicção na singularidade de Jesus Cristo como o único caminho para Deus (João 14:6) é central e inegociável [8].
O diálogo inter-religioso não deve levar à diluição dessa verdade, mas à sua afirmação clara e amorosa.
Manter uma sólida base teológica e um compromisso firme com as Escrituras é fundamental para navegar nesse terreno sem comprometer a integridade da fé.

Equilíbrio entre Diálogo e Testemunho
Encontrar o equilíbrio adequado entre o diálogo genuíno e o testemunho missionário é uma tarefa delicada. O diálogo não é um disfarce para o proselitismo agressivo, mas um espaço de respeito mútuo. No entanto, o cristão, movido pelo amor de Deus, naturalmente deseja compartilhar a boa notícia de Jesus Cristo.
O diálogo pode preparar o terreno para um testemunho mais profundo e autêntico, pois constrói relacionamentos e estabelece a confiança necessária para que as verdades da fé sejam ouvidas e consideradas [9].
A clareza sobre o propósito de cada interação é essencial: o diálogo para entender e coexistir, o testemunho para compartilhar e convidar à fé.
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.
[Vídeo] O que é Diálogo Inter-religioso? História das religiões.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo tão presente em nossos dias.
O que é um ato inter-religioso?
É uma ação, cerimônia ou evento que envolve a participação conjunta de pessoas de diferentes religiões. O objetivo é promover o respeito mútuo, a compreensão e a cooperação, celebrando valores comuns em vez de focar nas diferenças doutrinárias.
O que significa a palavra inter-religioso?
O prefixo “inter” significa “entre”. Portanto, “inter-religioso” refere-se a tudo o que ocorre, se estabelece ou existe entre duas ou mais religiões diferentes. Descreve a interação, o diálogo ou a relação entre distintas tradições de fé.
O que é um relacionamento inter-religioso?
É a convivência e a interação contínua entre pessoas ou comunidades de diferentes crenças. Baseia-se no respeito, na abertura para aprender sobre a fé do outro e na busca por entendimento mútuo, visando uma coexistência pacífica e enriquecedora.
O que são encontros inter-religiosos?
São reuniões, debates ou celebrações que reúnem pessoas de diversas religiões para dialogar, compartilhar experiências e colaborar em projetos comuns. Esses eventos buscam construir pontes de amizade e promover a paz e a harmonia na sociedade.
Fontes
[1] Knitter, Paul F. Introducing Interreligious Dialogue. Orbis Books, 2013, pp. 20-25.
[2] Cornille, Catherine. The Cambridge Companion to Interreligious Dialogue. Cambridge University Press, 2013, pp. 3-15.
[3] Phan, Peter C. “Interreligious Dialogue: A Catholic Theological Perspective.” Theological Studies, vol. 69, no. 4, 2008, pp. 781-805.
Demais fontes
[4] Vanhoozer, Kevin J. The Drama of Doctrine: A Canonical-Linguistic Approach to Christian Theology. Westminster John Knox Press, 2005, pp. 210-215.
[5] Wright, Christopher J. H. The Mission of God: Unlocking the Bible’s Grand Narrative. InterVarsity Press, 2006, pp. 289-295.
[6] Carson, D. A. Telling the Truth: Evangelizing Through the Christian Story. Zondervan, 2000, pp. 87-92.
[7] Eck, Diana L. Encountering God: A Spiritual Journey from Bozeman to Banaras. Beacon Press, 2003, pp. 15-28.
[8] Netland, Harold A. Encountering Religious Pluralism: The Challenge to Christian Faith & Mission. Baker Academic, 2001, pp. 300-305.
[9] Tennent, Timothy C. Theology in the Context of World Religions: A Case for Contextualized Truth. Zondervan, 2007, pp. 370-375.
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