Imagem de Deus

A doutrina da “Imagem de Deus”, um dos pilares da fé cristã, afirma que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, segundo Gênesis 1:26-27.

·

13 minutos de leitura

·

·

A doutrina da Imagem de Deus, do latim Imago Dei, é um dos pilares da fé cristã e do estudo da antropologia cristã. Essa doutrina descreve como o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, conforme registrado em Gênesis 1:26-27.

Neste artigo apresentamos o significado, a etimologia, o contexto histórico e as implicações teológicas desta doutrina.


Base bíblica da Imagem de Deus

A doutrina da Imago Dei está totalmente fundamentada em textos do Antigo Testamento e do Novo Testamento. Nesta seção apresentamos as bases bíblicas desta doutrina, assim como suas explicações.

A Imagem de Deus no Antigo Testamento

A primeira menção explícita da Imagem de Deus aparece em Gênesis 1:26-27, quando Deu cria a humanidade e dá a ela algumas de suas características.

“Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança […]’. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”

Gênesis 1:26-27 (NVI)

Essa passagem estabelece que a humanidade, em sua essência, reflete atributos divinos.

Embora o texto não detalhe exatamente o que constitui a “imagem” e a “semelhança”, teólogos como Calvino sugerem que isso envolve capacidades espirituais, racionais e relacionais, como a razão, a vontade e a capacidade de comunhão com Deus e com outros seres humanos. [1]

Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis
Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis

Outra referência importante é Gênesis 9:6, que reforça a dignidade da vida humana:

“Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu sangue; pois à imagem de Deus foi feito o homem”

Gênesis 9:6 (NVI)

Aqui, a Imagem de Deus serve como fundamento para a santidade da vida humana, indicando que mesmo após a queda, a Imagem de Deus permanece, embora afetada pelo pecado. [2]

A Imagem de Deus no Novo Testamento

No Novo Testamento, a Imagem de Deus é reinterpretada à luz de Cristo, que é descrito como a imagem perfeita de Deus.

“Ele [Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação”

Colossenses 1:15 (NVI)

Cristo, como o segundo Adão, restaura a Imago Dei que foi corrompida pelo pecado. Essa restauração é progressiva nos crentes, conforme descrito em 2 Coríntios 3:18.

“E todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior”

2 Coríntios 3:18 (NVI)

Essa transformação implica que essa imagem não é apenas uma realidade estática, mas um chamado dinâmico à santificação, onde os cristãos são conformados à imagem de Cristo. [3]

Jesus e o jovem Gadareno. Imagem de Deus
Jesus e o jovem Gadareno

Implicações teológicas da Imago Dei

A doutrina da Imagem de Deus é um dos pilares da teologia cristã, e um dos maiores diferenciais com as demais religiões. Primeiro, ela estabelece a dignidade inerente de cada pessoa como fundamento para a ética cristã. [4]

Segundo, ela aponta para a vocação humana de refletir os atributos de Deus, como amor, justiça e criatividade, na administração da criação (Gn 1:28).

Por fim, a restauração da Imago Dei em Cristo sublinha a esperança escatológica de que a humanidade será plenamente restaurada à sua glória original.

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem do seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.

Romanos 8:29 (NVI)

Interpretações da Imago Dei

Ao longo da história, diversas interpretações surgiram para explicar o significado dessa afirmação, refletindo a riqueza e a complexidade do conceito.

Perspectiva judaica tradicional

Na tradição judaica, a Imago Dei é frequentemente interpretada de maneira não literal, enfatizando a dignidade única conferida à humanidade.

Estudiosos como Saadia Gaon argumentam que a “imagem de Deus” não implica que Deus possua características antropomórficas, mas sim que os seres humanos recebem uma honra especial que os distingue do restante da criação. [5]

Filo de Alexandria, um filósofo judeu do século I, também via a imagem como uma metáfora para a capacidade racional e espiritual da humanidade, refletindo a mente do Senhor. [6]

Perspectivas Cristãs

Na teologia cristã, a interpretação da Imago Dei é mais diversificada, sendo tradicionalmente dividida em três abordagens principais, que não são mutuamente exclusivas:

  • Visão substantiva;
  • Visão relacional;
  • Visão funcional.

Visão substantiva

A visão substantiva localiza a Imago Dei em atributos intrínsecos do ser humano que refletem características divinas, como racionalidade, moralidade, vontade livre e espiritualidade.

Essa perspectiva, defendida por teólogos como Tomás de Aquino, sugere que a imagem de Deus reside principalmente na alma humana, que é capaz de conhecer e amar a Deus. [7]

Essa abordagem enfatiza a semelhança entre os atributos humanos e do Senhor, destacando a capacidade de raciocínio e decisão moral como reflexos da natureza de Deus.

Tomás de Aquino
Tomás de Aquino

Visão relacional

A visão relacional, enfatizada por teólogos como Karl Barth, argumenta que a Imago Dei se manifesta nas relações humanas, tanto com Deus quanto com outros seres humanos.

Essa perspectiva vê a natureza relacional de Deus, particularmente na doutrina cristã da Trindade, como o modelo para a comunhão humana. Barth afirma que a imagem de Deus é expressa na capacidade do ser humano de viver em relacionamento, amor e comunidade, refletindo a própria relationalidade de Deus. [8]

Passagens como 1 João 4:8, “Deus é amor”, reforçam essa visão, sugerindo que o amor humano é um reflexo do caráter divino do Senhor.

Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.

1 João 4:8 (NVI)

Visão funcional

A visão funcional interpreta a Imago Dei como a vocação humana de representar Deus na criação, exercendo domínio e cuidado sobre o mundo.

Baseada em Gênesis 1:28, que instrui a humanidade a “dominar” a terra, essa perspectiva destaca a responsabilidade de administrar a criação de forma responsável, à semelhança de Deus.

Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”.

Gênesis 1:28 (NVI)

Teólogos como Gerhard von Rad argumentam que a imagem de Deus inclui a função de ser um “representante” divino, agindo com justiça e cuidado na administração do mundo [9]. Essa visão enfatiza a ação prática da humanidade como reflexo da soberania de Deus.

Perspectiva física/corpórea (Histórica)

Historicamente, algumas interpretações, tanto judaicas quanto cristãs, sugeriram que a Imago Dei poderia incluir uma semelhança física com Deus. Essa visão, mais comum em períodos antigos, baseava-se em uma leitura literal de Gênesis.

Teólogos contemporâneos, como Wayne Grudem, rejeitam essa interpretação, argumentando que a Bíblia enfatiza a natureza espiritual e não física de Deus. [2]

Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”.

João 4:24 (NVI)
Retrato de Wayne Grudem. Teólogo contemporâneo
Retrato de Wayne Grudem. Teólogo contemporâneo

Origem e história da doutrina da Imagem de Deus

Fundamentado em textos bíblicos do Antigo e Novo Testamentos, o conceito da Imagem de Deus inspirou várias interpretações ao longo do tempo, todas tentando explicar o que significa ser criado à semelhança de Deus.

Nesta seção apresentamos a história do desenvolvimento desta doutrina tão central da teologia cristã.

Raízes bíblicas

A doutrina da Imago Dei tem sua origem nas narrativas do Antigo Testamento, em especial Gênesis 1:26-27.

“Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança…’. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”

Gênesis 1:26-27 (NVI)

Essa passagem estabelece a principal base bíblica-teológica desta doutrina, sugerindo que o ser humano reflete atributos divinos do Senhor de maneira única.

Outra referência está em Gênesis 9:6, que reforça a santidade da vida humana ao afirmar que “à imagem de Deus foi feito o homem”, mesmo após a queda.

No Novo Testamento a Imago Dei é aprofundada por meio de Jesus Cristo, descrito como “a imagem do Deus invisível” (Cl 1:15), apontando para a restauração da imagem divina nos crentes. [2]

Assim, todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, estamos sendo transformados segundo a sua imagem com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito.

2 Coríntios 3:18 (NVI)
A Criação de Adão de Michelangelo (1512)
A Criação de Adão de Michelangelo (1512)

Imago Dei na Tradição Judaica

Na tradição judaica, a interpretação da Imago Dei enfatizava a dignidade espiritual e relacional do ser humano, rejeitando qualquer conotação física.

Filo de Alexandria (século I) via a imagem como uma metáfora para a capacidade racional e espiritual da humanidade, refletindo a mente divina. [6]

Evolução na teologia cristã

Na tradição cristã, a doutrina da Imago Dei ganhou contornos forma e passou a incorporar sua ortodoxia, especialmente a partir dos Pais da Igreja.

Irineu de Lião, do século II, distinguia entre “imagem” e “semelhança”. Para ele a “imagem” diz respeito as capacidades inatas, como razão e vontade. Enquanto a “semelhança” se refere a santidade moral, perdida na queda e restaurada em Cristo. [10]

Agostinho de Hipona desenvolveu a “visão substantiva”, localizando a Imagem de Deus na alma do ser humano, particularmente nas faculdades de memória, intelecto e vontade. Agostinho entendia que a Trindade era refletida, de certa forma, na alma humana. [11]

Na Idade Média, Tomás de Aquino reforçou a perspectiva de Agostinho, argumentando que a imagem de Deus reside principalmente na capacidade da alma de conhecer e amar a Deus. [7]

No período da Reforma Protestante Martinho Lutero e João Calvino destacaram que a imagem do Senhor, embora corrompida pelo pecado, é restaurada em Cristo, enfatizando sua dimensão relacional e funcional. [12]

Agostinho de Hipona, por Antonio Rodríguez
Agostinho de Hipona, por Antonio Rodríguez

Perspectivas Modernas

Na Modernidade teólogos como Karl Barth reinterpretaram a Imago Dei sob uma ótica relacional. Vendo-a como a capacidade humana de viver em comunhão com Deus e com outros, refletindo a natureza trinitária de Deus. [8]

A visão funcional também ganhou destaque com teólogos, como, Gerhard von Rad. Gerhard enfatizava o papel da humanidade como representantes de Deus na administração da criação. [9]


Etimologia e significado de Imagem de Deus

A expressão Imago Dei vem do latim e significa “Imagem de Deus”. A palavra imago quer dizer “imagem”, “representação” ou “semelhança”, enquanto Dei é uma forma de “Deus” em latim, indicando “de Deus”. Esse termo foi usado na Vulgata, a tradução latina da Bíblia, para traduzir a expressão hebraica tselem Elohim (צֶלֶם אֱלֹהִים), encontrada em Gênesis 1:26-27.

No hebraico, tselem (צֶלֶם) significa “imagem” ou “representação”. É uma palavra que pode se referir a algo concreto, como uma estátua ou figura que representa outra coisa, mas também carrega um sentido mais profundo, como refletir a essência ou características de algo maior.

Elohim (אֱלֹהִים) é um dos nomes de Deus no Antigo Testamento, usado para destacar Sua majestade e poder como Criador. No contexto de Gênesis, tselem Elohim indica que o ser humano foi criado para refletir algo do próprio Deus, seja em suas qualidades, como razão e amor, ou em sua função de representar Deus na criação.

No Novo Testamento, em grego, o conceito de “imagem” aparece com a palavra eikon (εἰκών), que também significa “imagem” ou “semelhança”. Por exemplo, em Colossenses 1:15, Jesus é chamado de “a imagem (eikon) do Deus invisível”.

Assim como tselem, eikon sugere uma representação que reflete a essência ou características do original, apontando para a ideia de que a humanidade, e especialmente Cristo, reflete a natureza divina de forma única.

Essa terminologia, imago em latim, tselem em hebraico e eikon em grego, ajuda a entender que ser criado à imagem de Deus significa carregar uma semelhança especial com o Criador, tanto em atributos quanto em propósito.


Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] Imagem de Deus. Bible Project.

[Vídeo] O QUE SIGNIFICA SER FEITO À IMAGEM DE DEUS? | R. C. Sproul. Edições Vida Nova.

[Podcast] Btcast 56 – Imago Dei. Bibotalk.


Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo teológico.

O que significa a expressão “imago dei”?

“Imago Dei” significa “imagem de Deus” em latim. O termo se refere a doutrina que diz de que todos os seres humanos foram criados à semelhança de Deus, compartilhando atributos como razão, moralidade e capacidade de relacionamento, distinta de outras criaturas.

Qual a diferença entre imagem e semelhança de Deus?

Na teologia, “imagem e semelhança de Deus” se refere a doutrina de os humanos foram criados com traços que espelham a natureza do Senhor. Embora “imagem” e “semelhança” sejam muitas vezes usadas como sinônimos, alguns estudiosos sugerem diferenças entre esses termos para descrever essa conexão.


Fontes

[1] Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

[2] Grudem, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1994.

[3] Hoekema, Anthony A. Created in God’s Image. Grand Rapids: Eerdmans, 1986.

[4] Wolterstorff, Nicholas. Justice: Rights and Wrongs. Princeton: Princeton University Press, 2008.

[5] Saadia Gaon. The Book of Beliefs and Opinions. Trad. Samuel Rosenblatt. New Haven: Yale University Press, 1989.

[6] Filo de Alexandria. De Opificio Mundi. Trad. F.H. Colson & G.H. Whitaker. Cambridge: Harvard University Press, 1929.

[7] Aquino, Tomás de. Summa Theologica. Trad. Fathers of the English Dominican Province. New York: Benziger Bros, 1947.

[8] Barth, Karl. Church Dogmatics, Vol. III/1. Edinburgh: T&T Clark, 1956.

[9] Von Rad, Gerhard. Genesis: A Commentary. Philadelphia: Westminster Press, 1972.

[10] Irineu de Lião. Contra as Heresias. Trad. A. Cleveland Coxe. Grand Rapids: Eerdmans, 1885.

[11] Agostinho de Hipona. De Trinitate. Trad. Stephen McKenna. Washington, D.C.: Catholic University of America Press, 1963.

[12] Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

O que achou deste artigo?

Clique nas estrelas

Média 4.7 / 5. Quantidade de votos: 12

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Diego Pereira do Nascimento
Últimos posts por Diego Pereira do Nascimento (exibir todos)

Comentários do artigo

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários