Era Cristã

A Era Cristã, do nascimento de Jesus, é um período teológico de salvação, cumprindo profecias e fundando a Igreja, que espera a volta de Cristo.

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10 minutos de leitura

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A Era Cristã, do ponto de vista teológico, designa o período histórico que se inicia com o nascimento de Jesus Cristo, evento central da fé cristã, e se estende até o presente.

Esta demarcação temporal não é apenas uma convenção cronológica, mas carrega um profundo significado soteriológico e escatológico para a compreensão cristã da história da salvação.


Origem da contagem do tempo na Era Cristã

A contagem do tempo que deu origem à designação da Era Cristã é comumente conhecida como o sistema “Anno Domini” (AD), que significa “no ano do Senhor”. Este sistema foi proposto no século VI por Dionísio Exíguo, um monge e abade que vivia em Roma [1].

Sua principal motivação era estabelecer uma nova cronologia para a determinação da data da Páscoa, distanciando-se do sistema diocleciano que estava em uso e que honrava um imperador perseguidor de cristãos [2].

Dionísio calculou o ano do nascimento de Jesus Cristo, que ele acreditava ter ocorrido em 1 d.C., e usou-o como o ponto de partida para sua nova era.

Embora seus cálculos sobre a data exata do nascimento de Cristo sejam debatidos por historiadores modernos, a sua inovação estabeleceu um padrão que gradualmente se tornou o sistema cronológico dominante no Ocidente [3].

Inicialmente, o sistema de Dionísio foi adotado para tabelas de Páscoa e documentos eclesiásticos, mas sua influência cresceu significativamente.

Ilustração da representação da Era Cristã
Ilustração da representação da Era Cristã

Disseminação e aceitação do Anno Domini

A aceitação generalizada do sistema Anno Domini não foi imediata. Demorou vários séculos para que ele se estabelecesse como a principal forma de datação. Um dos catalisadores para sua ampla adoção foi o historiador eclesiástico Beda, o Venerável, no século VIII.

Beda utilizou extensivamente o sistema Anno Domini em sua obra “História Eclesiástica do Povo Inglês”, que se tornou uma das obras históricas mais lidas da Idade Média [4].

A clareza e a autoridade da escrita de Beda ajudaram a popularizar a ideia de que a história deveria ser contada a partir do nascimento de Cristo.

No século IX, com a ascensão do Império Carolíngio, o uso do sistema Anno Domini foi encorajado por Carlos Magno e seus sucessores.

Este império buscou unificar a Europa sob uma cosmovisão cristã, e a adoção de uma cronologia centrada em Cristo era consistente com esses objetivos [5].

Com o tempo, o sistema se espalhou para outras partes da Europa e, eventualmente, para o resto do mundo, à medida que a influência europeia se expandia.


A Era Cristã na perspectiva bíblica

A Era Cristã, como conceito teológico, é mais do que uma simples linha temporal; ela representa uma nova dispensação na história da salvação de Deus para a humanidade.

A vinda de Jesus Cristo marcou o cumprimento de muitas profecias do Antigo Testamento e a inauguração de uma nova aliança.

O cumprimento das profecias

O Antigo Testamento está repleto de prenúncios sobre a vinda de um Messias. Textos como Gênesis 3:15, Isaías 7:14, Isaías 9:6-7 e Miquéias 5:2 apontavam para um salvador que nasceria de uma virgem, seria Deus conosco, e governaria um reino eterno [6].

A vida, morte e ressurreição de Jesus são vistas como o cumprimento definitivo dessas promessas, encerrando um período de espera e abrindo uma nova era.

O apóstolo Paulo, em Gálatas 4:4, declara: “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei”.

Esta “plenitude do tempo” não é apenas uma referência cronológica, mas teológica, indicando o momento divinamente estabelecido para a intervenção decisiva de Deus na história humana [7].

A Nova Aliança e o Sacrifício de Cristo

Ascensão de Jesus ao Paraíso. John Singleton Copley, 1775
Ascensão de Jesus ao Paraíso. John Singleton Copley, 1775

A Era Cristã é definida pela instauração da Nova Aliança, profetizada em Jeremias 31:31-34. Jesus Cristo é o mediador e o sacrifício perfeito dessa aliança, como descrito em Hebreus 8:6 e Hebreus 9:15.

Sua morte na cruz não foi um evento isolado, mas o ponto culminante do plano redentor de Deus, oferecendo perdão dos pecados e acesso direto a Deus através de Sua graça [8].

Este sacrifício único e definitivo substitui os sacrifícios rituais do Antigo Testamento, que eram sombras das realidades futuras (Hebreus 10:1-10).

A Nova Aliança é escrita nos corações dos crentes pelo Espírito Santo, permitindo um relacionamento pessoal e íntimo com Deus, algo distintivo desta nova era.

Jesus na cruz entre os dois ladrões. 1619-1620. Por Rubens, atualmente no Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, na Bélgica.
Jesus na cruz entre os dois ladrões. 1619-1620. Por Rubens, atualmente no Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, na Bélgica

O Tempo da Graça e da Igreja

A Era Cristã é também conhecida como a Era da Igreja, ou a Dispensa da Graça. Com a descida do Espírito Santo no Pentecostes, conforme registrado em Atos 2, a igreja foi estabelecida como o corpo de Cristo na Terra [9].

Este período é caracterizado pela proclamação do Evangelho a todas as nações, a expansão do Reino de Deus e a habitação do Espírito Santo nos crentes.

Em 2 Coríntios 6:2, Paulo escreve:

“Porque ele diz: ‘No tempo da graça eu te ouvi, e no dia da salvação eu te ajudei’. Eis agora o tempo aceitável, eis agora o dia da salvação.”

Esta passagem enfatiza que vivemos num período de oportunidade para a salvação, inaugurado pela obra de Cristo e disponível através da fé n’Ele.


Expectativa escatológica na Era Cristã

Para a teologia cristã, a Era Cristã não é um fim em si mesma, mas um período que aponta para um clímax escatológico: a segunda vinda de Jesus Cristo. Este é um tema recorrente tanto nos ensinamentos de Jesus quanto nos escritos dos apóstolos.

O “Já e Ainda Não”

A teologia protestante frequentemente descreve a Era Cristã como um período de “já e ainda não”. O Reino de Deus “já” foi inaugurado com a primeira vinda de Cristo, Sua morte e ressurreição, e está presente na vida dos crentes e na igreja [10].

No entanto, o Reino “ainda não” chegou à sua plenitude e consumação final. O mal e o pecado ainda persistem no mundo, e os crentes aguardam a plena manifestação da justiça e da glória de Deus.

Essa tensão entre o “já” e o “ainda não” molda a ética e a esperança cristãs. Os crentes são chamados a viver de acordo com os valores do Reino que já está presente, ao mesmo tempo em que aguardam com expectativa a segunda vinda de Cristo, quando toda a criação será restaurada (Romanos 8:19-23).

A segunda vinda e a consumação

A Era Cristã culminará com o retorno de Cristo, um evento descrito em muitas passagens bíblicas, como Mateus 24, 1 Tessalonicenses 4:16-17 e Apocalipse 21-22.

Este evento marcará o fim dos tempos como os conhecemos, a ressurreição dos mortos, o julgamento final e o estabelecimento de novos céus e nova terra [11].

A espera pela segunda vinda de Cristo não é passiva, mas ativa. É um chamado à vigilância, à santidade e à evangelização, pois os crentes são comissionados a levar a mensagem do Reino até os confins da Terra antes que o fim chegue (Mateus 28:19-20).

As Sete Trombetas e o anjo com um incensário (Apocalipse de João)
As Sete Trombetas e o anjo com um incensário (Apocalipse de João)

Significado de Era Cristã

O termo “Era Cristã” deriva diretamente do sistema de datação “Anno Domini” (AD), uma expressão latina que significa “no ano do Senhor”. A palavra “Anno” significa “no ano” e “Domini” é o genitivo de “Dominus”, que significa “Senhor”.

A escolha deste termo por Dionísio Exíguo e sua subsequente adoção reflete uma clara intenção de centrar a contagem do tempo na figura de Jesus Cristo, reconhecido como o Senhor pelos cristãos.

Em português, “Era Cristã” é uma tradução que enfatiza o caráter distintivo deste período, que é definido pela centralidade de Cristo.

Embora existam termos alternativos, como “Era Comum” (EC), usados em contextos mais seculares para evitar uma conotação explicitamente religiosa, a perspectiva teológica cristã mantém a designação “Era Cristã” ou “Anno Domini” para sublinhar a convicção de que a história humana foi irrevocavelmente alterada e reorientada pelo nascimento e obra de Jesus Cristo.

Outras denominações da Era Cristã

Além de “Anno Domini”, outros termos são ocasionalmente empregados para se referir a este período, especialmente em um contexto histórico. O termo “Vulgar Era”, por exemplo, foi usado por alguns estudiosos no passado, onde “vulgar” se referia ao uso “comum” ou “popular”, não com uma conotação pejorativa. Este termo, no entanto, é menos utilizado hoje.

A designação “Era Cristã” é, portanto, não apenas uma maneira de dividir o tempo, mas uma afirmação teológica da soberania de Deus sobre a história e do papel redentor de Jesus Cristo como o divisor de águas da experiência humana.


Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] Em que ano decidiram qual seria o ano 1? Estranha História.


Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo tão usado em nossa sociedade.

O que foi a Era Cristã?

É o período de tempo que se inicia a partir do ano 1, data convencionada para o nascimento de Jesus Cristo. Este sistema de contagem, também chamado de Era Comum (EC), é o calendário civil mais utilizado em todo o mundo.

Qual foi o primeiro século da Era Cristã?

O primeiro século da Era Cristã compreende o período do ano 1 d.C. até o final do ano 100 d.C. Foi a época em que viveram os apóstolos de Jesus e se formaram as primeiras comunidades cristãs.

Porque existe AC e DC?

As siglas AC (Antes de Cristo) e DC (Depois de Cristo) existem para organizar a linha do tempo histórica, usando o nascimento de Jesus como marco divisor. Eventos anteriores são contados de forma decrescente (AC) e posteriores de forma crescente (DC).

Qual era a época de Cristo?

Jesus viveu durante o Alto Império Romano, na província da Judeia. Esta região, politicamente controlada por Roma sob os imperadores Augusto e Tibério, estava imersa na cultura e religião judaica do período do Segundo Templo.


Fontes

[1] Blackburn, Bonnie; Holford-Strevens, Leo. The Oxford Companion to the Year. Oxford University Press, 1999, p. 778.

[2] O’Malley, Charles D. “Dionysius Exiguus and the Beginning of the Christian Era”. Church History, vol. 18, no. 1, 1949, pp. 1-6.

[3] Richards, E. G. Mapping Time: The Calendar and Its History. Oxford University Press, 1998, p. 117.

Demais fontes

[4] Bede. Ecclesiastical History of the English People. Tradução de Leo Sherley-Price, Penguin Classics, 1990. (Livro V, Capítulo 23).

[5] Southern, R. W. Western Society and the Church in the Middle Ages. Penguin Books, 1970, p. 24.

[6] Grudem, Wayne A. Teologia Sistemática. Vida Nova, 1999, p. 556-558.

[7] Stott, John R. W. The Message of Galatians. InterVarsity Press, 1986, p. 104.

[8] Carson, D. A. New Testament Commentary Survey. Baker Academic, 2017, p. 165.

[9] Fee, Gordon D. God’s Empowering Presence: The Holy Spirit in the Letters of Paul. Hendrickson Publishers, 1994, p. 52.

[10] Ladd, George Eldon. A Theology of the New Testament. Eerdmans, 1993, p. 114-118.

[11] Hoekema, Anthony A. The Bible and the Future. Eerdmans, 1979, p. 273-281.

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Diego Pereira do Nascimento
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