A Dormição de Maria é um termo teológico que descreve a crença na morte pacífica da Virgem Maria e sua subsequente assunção corporal ao céu.
Esta doutrina, embora amplamente celebrada em algumas das mais antigas tradições cristãs, é um ponto de notável distinção teológica e litúrgica entre as diversas denominações, particularmente em contraste com a perspectiva protestante.
Neste artigo apresentamos os conceitos desta doutrina católica.
Doutrina da dormição de Maria
A doutrina da Dormição de Maria defende que a mãe de Jesus, ao final de sua vida terrestre, não experimentou a morte de forma comum. Em vez disso, ela “adormeceu” pacificamente, e seu corpo foi então levado ao céu.
Esta crença é um pilar teológico e devocional para as Igrejas Ortodoxas Orientais, que usam o termo “Dormição”, do grego koimesis que significa “adormecer” [1].
Para os seguidores desta doutrina, este evento representa uma transição serena da vida terrena para a glória celestial. Acredita-se que Maria foi preservada da corrupção do túmulo.
Sua suposta assunção corporal é vista como um privilégio concedido a ela por sua vida de santidade e seu papel singular na história da salvação [2].

Diferentes visões sobre a doutrina
As narrativas tradicionais da Dormição de Maria geralmente descrevem os apóstolos reunidos em torno dela antes de sua partida. Também alegam que o próprio Cristo apareceu para receber a alma de sua mãe. Posteriormente, seu corpo teria sido transportado por anjos para o paraíso [3].
Muitas tradições associadas à Dormição de Maria também incluem o relato de um túmulo vazio. Após três dias da deposição do corpo de Maria, o túmulo foi encontrado vazio pelos apóstolos, o que reforça a crença em sua assunção corporal ao céu [1].
História da dormição de Maria
A Bíblia não descreve o fim da vida de Maria, os Evangelhos e o restante do Novo Testamento silenciam sobre sua morte e sepultamento. Essa ausência é o ponto de partida para o surgimento da doutrina.
A Dormição de Maria tem origem em escritos apócrifos, conhecidos como Transitus Mariae (Passagem de Maria).
Tradições primitivas apócrifas
Tradições anônimas sobre a Dormição (o “adormecer” em morte) começaram a circular no terceiro século, e possivelmente antes.
Um dos textos mais antigos é o Livro do Repouso de Maria. Contudo, alguns defendem que a celebração como dia santo não estava estabelecida antes do século IV ou V [3].
Estudos indicam que A Dormição/Assunção de Maria (atribuída a “Pseudo-João”) pode ter precedido o Livro do Repouso. Este documento grego, datado no máximo até o século IV, atesta a antiguidade do conceito.
As fontes primitivas em grego são cópias tardias. As testemunhas mais antigas são acessadas por traduções fragmentárias para o aramaico palestino cristão e o siríaco.

Consolidação nos Séculos IV e V: Apócrifos e Liturgia
O desenvolvimento desta doutrina tem suas raízes em escritos apócrifos que começaram a circular a partir do século IV e V [3].
Estes textos apócrifos surgiram para preencher o que era percebido como uma lacuna nos registros sobre o fim da vida de Maria. Eles detalhavam sua morte, a reunião dos apóstolos e sua assunção ao céu. A popularidade dessas narrativas cresceu significativamente no Oriente Cristão [4].
O surgimento dos Transitus Mariae
O desenvolvimento da doutrina está intimamente ligado aos escritos apócrifos do Transitus Mariae. Eles surgiram para preencher a lacuna sobre o fim da vida de Maria. Esses textos detalhavam a morte, a reunião dos apóstolos e a assunção de Maria ao céu.
A popularidade dessas narrativas cresceu significativamente no Oriente Cristão, impulsionando a crença popular.
Evidências litúrgicas e Artísticas
Stephen Shoemaker identificou elementos litúrgicos em “Pseudo-João” e no Apócrifo dos Seis Livros. Isso sugere que a Dormição era um dia santo em alguns círculos no século IV [4].
A aparição mais antiga conhecida da Dormição na arte é um sarcófago na cripta de uma igreja em Saragoça, Espanha. Está datado de cerca de 330 d.C.
A crença foi gradualmente aceita e integrada à liturgia das Igrejas Orientais. A Festa da Dormição tornou-se uma celebração importante, observada em 15 de agosto.

O testemunho de Epifânio de Salamina
Epifânio de Salamina (c. 310–403), em seu “Panarion”, abordou o fim da Virgem Maria com incerteza. Ele reconheceu o silêncio intencional das Escrituras. Ele não encontrou na Bíblia a morte de Maria, nem se ela morreu ou foi sepultada. As Escrituras silenciaram “por causa da admiração avassaladora”.
Ele levantou três possibilidades: Maria pode ter morrido e sido sepultada; pode ter sido martirizada (cumprindo Lucas 2:35); ou talvez tenha permanecido viva e sido levada ao céu.
“Ninguém sabe o seu fim.” Também reforçou sua ambivalência comparando Maria com Elias (assunto), João (morte natural) e Tecla (mártir).
Ambrósio, contemporâneo de Epifânio, rejeitou a visão de martírio para Maria. Ele criticou a interpretação literal da profecia de Simeão (Lucas 2:35) sobre a espada.

A institucionalização da doutrina (Séculos V ao VII)
Com o tempo, a crença na Dormição de Maria foi gradualmente aceita e integrada à liturgia das Igrejas Orientais.
Proliferação de Transitus e Homilias
Do final do século V ao século VII, mais tradições da Dormição surgiram em manuscritos. Shoemaker as categorizou como narrativas da “Palma da Árvore da Vida”, de “Belém” e “coptas”.
Apócrifos como o Liber de transitu Virginis Mariae de Pseudo-Melito de Sardes (século V) detalham a Dormição. O conteúdo básico aceito era o repouso bem-aventurado e a alma sendo recebida por Cristo.
Narrativas da Dormição também surgiram entre autores tradicionais, como Jacó de Serug e Teodósio de Alexandria.
Autores do século VII, como João de Tessalônica e Teoteknos de Lívias, escreveram narrativas “convencionais”. A popularidade desses escritos mostra que nem todo o seu conteúdo foi aceito, mas a ideia central do repouso e da glorificação de Maria se consolidou.
A celebração da Dormição de Maria
Segundo Nicéforo Calisto Xantópulo, o imperador Maurício (582-602) emitiu um édito. Este fixou a data da celebração da Dormição em 15 de agosto. Este ato elevou a Dormição a uma das festas mais solenes do ciclo litúrgico, especialmente no Oriente.
Modesto, Patriarca de Jerusalém (630-632), lamentou publicamente a falta de informações específicas sobre a morte de Maria. Isso demonstra a persistência da incerteza, mesmo com a festa estabelecida.
Dormição no ocidente e a evolução para assunção
Em Roma, a festa foi estabelecida pelo Papa Sérgio I (687–701). Ela foi chamada Dormitio Beatae Virginis, sendo emprestada de Constantinopla.
No Ocidente, a doutrina evoluiu para a Assunção de Maria. O termo “Assunção” não especifica a morte prévia, focando na elevação de corpo e alma.

Perspectiva bíblica sobre a Dormição de Maria
Em uma análise teológica rigorosa fundamentada na Escritura, a doutrina da Dormição de Maria apresenta sérias dificuldades, pois carece de qualquer base bíblica explícita e se choca com princípios fundamentais da soteriologia e escatologia cristãs.
O silêncio bíblico
O argumento mais forte contra a Dormição de Maria é o silêncio absoluto da Bíblia. A Bíblia não fazem menção alguma ao fim da vida de Maria. Não há relatos de sua morte, sepultamento, nem de qualquer elevação corporal ao céu [5].
Wayne Grudem em sua Teologia Sistemática, disse “Se algo tão significativo como a assunção de Maria tivesse ocorrido, seria de se esperar que houvesse pelo menos alguma menção nas Escrituras” [8].
A última menção bíblica de Maria ocorre em Atos 1:14, onde ela está em oração com os discípulos, e o texto não oferece qualquer pista sobre um destino corpóreo extraordinário [6].
Morte: A consequência universal do pecado
A Bíblia é clara quanto à universalidade da morte como consequência do pecado. Romanos 6:23 declara: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.”
Embora Maria tenha sido escolhida e abençoada para ser a mãe de Jesus, a Escritura nunca a isenta da condição humana de pecadora e, portanto, sujeita à morte.
A própria Maria reconhece sua necessidade de um Salvador em seu Magnificat, ao dizer: “Minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lucas 1:46-47).
Se ela precisava de um Salvador, era porque era uma pecadora, e pecadores estão sujeitos à morte.

Declaração de Louis Berkhof
O teólogo reformado Louis Berkhof afirma que “a doutrina da Assunção de Maria não tem apoio na Bíblia e entra em conflito com a verdade bíblica de que todos os seres humanos, exceto Cristo, são pecadores e morrem” [9].
A ideia de que Maria foi isenta da corrupção do túmulo implica uma negação de sua plena humanidade, ou concede a ela um privilégio que a Bíblia não confere a nenhum outro ser humano antes da ressurreição geral.
Ressurreição de Cristo
A doutrina bíblica da ressurreição corporal está intrinsecamente ligada à Segunda Vinda de Cristo. 1 Tessalonicenses 4:16-17 descreve claramente a sequência dos eventos:
Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.
Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre.
1 Tessalonicenses 4:16-17 (NVI)
Jesus Cristo é o “primogênito dentre os mortos” (Colossenses 1:18) e a primícia da ressurreição (1 Coríntios 15:20-23). A Bíblia não oferece indicação de que qualquer ser humano, à exceção de Cristo, tenha recebido um corpo glorificado antes da ressurreição geral na consumação dos tempos.
A Dormição/Assunção de Maria, ao apresentar uma ressurreição corporal individual e antecipada, cria uma exceção não bíblica a essa ordem escatológica.
Declaração de João Calvino
Como aponta o teólogo João Calvino em seus comentários sobre o Novo Testamento, qualquer exaltação de Maria que a coloque em pé de igualdade com Cristo ou que lhe atribua privilégios não concedidos pela Escritura é um desvio da verdadeira piedade e do foco no Salvador [10].
A esperança da ressurreição para Maria, como para todos os crentes, está fundamentada na promessa da vinda de Cristo, não em um evento singular e indocumentado em sua vida.

Problemas teológicos da doutrina da Dormição
Para as tradições que aceitam a Dormição de Maria, esta doutrina possui profundas implicações teológicas. Ela reforça a crença na santidade de Maria, seu status singular como mãe de Deus e sua glorificação final. É vista como um presságio da ressurreição geral dos justos no fim dos tempos [2].
A Dormição sublinha a convicção de que Maria desfruta de uma posição exaltada no céu, intercedendo pelos fiéis. Para muitos crentes, isso eleva Maria a um papel muito importante na mediação e na veneração [7].
No entanto, para a teologia protestante, as implicações da Dormição de Maria são vistas sob uma ótica diferente.
Foco em Cristo
Essa elevação de Maria, inadvertidamente, desvia o foco da centralidade e suficiência de Jesus Cristo na obra da redenção. O Novo Testamento afirma que há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem (1 Timóteo 2:5).
Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo como resgate por todos. Esse foi o testemunho dado em seu próprio tempo.
1 Timóteo 2:5,6 (NVI)
Natureza da salvação
A teologia protestante enfatiza que a salvação é alcançada exclusivamente pela graça de Deus (Sola Gratia), recebida unicamente através da fé em Jesus Cristo (Sola Fide).
O único fundamento da redenção é o sacrifício de Cristo na cruz, sendo suficiente e completo. Consequentemente, a salvação não é mediada, complementada ou dependente de quaisquer méritos, títulos ou status especiais de Maria [5].
Autoridade da Escritura
A aceitação de doutrinas sem claro fundamento bíblico, como a Dormição de Maria, representa um risco de comprometer o princípio da Sola Scriptura [5].
Essa abertura estabelece um precedente perigoso, elevando a Tradição humana ao mesmo nível de autoridade da Escritura.
Isso permite a adoção de outras práticas e crenças não bíblicas como doutrina essencial, reduzindo a suficiência e a autoridade única da Palavra de Deus para fé e prática cristãs.
Além de dar abertura para criação de inúmeras seitas e heresias, reduzindo o conhecimento verdade de Deus e da salvação em Cristo.

Mortalidade humana
A doutrina cristã fundamental, conforme ensinada na Bíblia (Hebreus 9:27), estabelece que todos os seres humanos estão sujeitos à morte.
Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo,
Hebreus 9:27 (NVI)
Não existe uma exceção registrada nas Escrituras para Maria em relação a morte física. Por essa falta de registro, a crença na sua ascensão corporal não encontra base bíblica. Esta crença foi desenvolvida pela Tradição Católica.
Veneração mariana (Hiperdulia)
A doutrina da Dormição (ou Assunção) contribui significativamente para uma exaltação e veneração de Maria, a considerando em mesmo nível de santidade da Trindade.
Essa prática contradiz a doutrina do Sola Scriptura, uma vez que a Bíblia não sustenta divindade a mãe de Jesus. Além disso, a devoção intensa a Maria é um desvio da doutrina de Jesus Cristo como o único Mediador (Solo Christo).
Essa elevação de Maria é, portanto, considerada uma transgressão do culto exclusivo (latria) que é devido somente à Trindade, confundindo as distinções entre a veneração devida aos santos e a adoração exclusiva a Deus.
Etimologia e significado da Dormição de Maria
O termo “Dormição” tem sua origem no latim dormitio, que se traduz como “ato de dormir” ou “sono”. No grego, a palavra correspondente é koimesis (κοίμησις), que também significa “sono” ou “dormir” [1].
O uso dessas palavras como eufemismo para a morte é comum em várias culturas e também aparece em contextos bíblicos para descrever a morte de crentes. Por exemplo, em 1 Tessalonicenses 4:13-14 e 1 Coríntios 15:51, a morte de cristãos é referida como “dormir” ou “adormecer”, indicando uma passagem pacífica e a esperança da ressurreição.
Contudo, no contexto da Dormição de Maria, o termo carrega um significado mais específico e teológico. Ele sugere que a morte de Maria não foi acompanhada da corrupção física que normalmente se associa ao corpo após a morte [2]. Ao contrário, implicaria que seu corpo foi preservado e levado ao céu.
Assim, a Dormição de Maria significa uma morte sem sofrimento ou deterioração, seguida imediatamente por sua assunção corporal e alma à glória celestial. Este conceito reflete a crença em uma transição singular para a vida eterna, honrando sua pureza e sua função materna na história da salvação [2].
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.
[Vídeo] MARIA, MÃE DO NOSSO GLORIOSO SALVADOR. Hernandes Dias Lopes.
[Vídeo] Maria: História da mulher que gerou nosso salvador. Teológico.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, desta doutrina católica controversa e perigosa para doutrina cristã.
Como foi a Dormição de Maria?
Segundo a tradição católica, especialmente no Oriente, Maria adormeceu pacificamente (a “Dormição” ou koímēsis) e, em seguida, seu corpo foi ressuscitado e elevado ao Céu por Deus. Os apócrifos narram que os apóstolos foram milagrosamente reunidos para testemunhar o evento.
O que significa Dormição de Maria?
Significa o “sono” ou a morte tranquila de Maria, seguida da sua ressurreição corporal e assunção (elevação) ao Céu.
O que a Bíblia fala sobre Assunção de Maria?
A Bíblia não descreve a Assunção de Maria. O dogma católico se baseia na Tradição Apostólica e na fé da Igreja, não em um texto bíblico. Alguns teólogos veem referências simbólicas, como a “Mulher vestida de Sol” no Livro do Apocalipse (Apocalipse 12:1).
Fontes
[1] Cross, F. L., & Livingstone, E. A. (Eds.). (2005). The Oxford Dictionary of the Christian Church (3rd ed. rev.). Oxford University Press.
[2] Kannengiesser, C. (1998). The Christian Doctrine of the Dormition of the Theotokos. Liturgical Press.
[3] Elliott, J. K. (1993). The Apocryphal New Testament: A Collection of Apocryphal Christian Literature in an English Translation. Oxford University Press.
Demais fontes
[4] Pelikan, J. (1978). The Christian Tradition: A History of the Development of Doctrine, Vol. 2: The Spirit of Eastern Christendom (600-1700). University of Chicago Press.
[5] Erickson, M. J. (2013). Christian Theology (3rd ed.). Baker Academic.
[6] Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Atualizada (ARA).
[7] Calkins, A. (1987). The Co-redemptrix in the Writings of the Fathers. Marian Studies, 38(1), 1-21.
[8] Grudem, Systematic Theology, p. 272.
[9] Berkhof, Systematic Theology, p. 195.
[10] Calvin, Commentaries on the Catholic Epistles, vol. 2, p. 275.
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