Poucas histórias capturaram a imaginação da humanidade de forma tão duradoura quanto a Arca de Noé. É uma narrativa épica de um mundo mergulhado na corrupção, um juízo divino na forma de um dilúvio cataclísmico e a salvação milagrosa de uma única família destinada a recomeçar a história humana.
A arca, uma imensa embarcação de madeira flutuando sobre as águas do caos, permanece como um dos símbolos mais poderosos da Bíblia, representando a severidade da justiça de Deus e a profundidade de Sua graça redentora.
Este artigo explora em detalhes a narrativa bíblica da Arca de Noé, seu profundo simbolismo teológico, seus notáveis paralelos em outras culturas antigas e os debates que continua a inspirar até hoje.
História da Arca de Noé
A história da arca começa em um dos momentos mais sombrios da humanidade pré-diluviana.
O livro de Gênesis descreve uma Terra que havia se tornado irreconhecivelmente corrupta e violenta, onde “toda a inclinação dos pensamentos do coração do homem era sempre e somente para o mal” (Gênesis 6:5).
Diante dessa depravação universal, Deus anuncia Seu juízo: a destruição de toda a vida na Terra através de um dilúvio.

A ordem de Deus: O design e as dimensões da Arca
Em meio a esse cenário, a narrativa foca em um homem: “Mas Noé achou graça aos olhos do Senhor” (Gênesis 6:8). Descrito como “homem justo, perfeito em suas gerações” que “andava com Deus”, Noé recebe uma incumbência divina monumental. Deus o instrui a construir uma embarcação de proporções colossais, não para escapar, mas para preservar a vida [1].
As especificações dadas a Noé são surpreendentemente detalhadas:
- Material: Madeira de “gofer” (cuja identidade exata é desconhecida, podendo ser cipreste ou outro tipo de resinosa), calafetada por dentro e por fora com betume para torná-la impermeável.
- Dimensões: 300 côvados de comprimento, 50 de largura e 30 de altura. Um côvado bíblico é a distância do cotovelo à ponta do dedo, estimado em cerca de 45 cm. Isso daria à arca aproximadamente 135 metros de comprimento, 22,5 metros de largura e 13,5 metros de altura [2]. Sua proporção de 6:1 (comprimento:largura) é ideal para estabilidade em mares agitados, um fato notado por construtores navais modernos.
- Estrutura: A arca deveria ter três andares ( conveses), compartimentos internos, uma única porta lateral e uma abertura para luz no topo, possivelmente um “teto” ou uma “janela” de um côvado de altura.
A missão: Reunião dos animais e o embarque
A tarefa de Noé não era apenas construir, mas também se tornar o guardião da vida animal. Ele foi ordenado a levar para a arca:
- Um casal (macho e fêmea) de cada espécie de animal “impuro”.
- Sete pares de cada espécie de animal “limpo” e de cada espécie de ave, para que pudessem ser usados em sacrifícios e se reproduzissem mais rapidamente após o dilúvio [3].
A obediência de Noé é descrita de forma sucinta, mas poderosa: “Assim fez Noé; conforme a tudo o que Deus lhe mandou, assim o fez” (Gênesis 6:22).
Aos 600 anos de idade, Noé, sua esposa, seus três filhos (Sem, Cam e Jafé) e suas noras entraram na arca, e Deus mesmo fechou a porta por fora.

O dilúvio e o recomeço
O cataclismo começou quando “se romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram” (Gênesis 7:11). Choveu por quarenta dias e quarenta noites, e as águas prevaleceram sobre a Terra por cento e cinquenta dias, cobrindo as montanhas mais altas.
Após quase um ano, a arca repousou sobre as “montanhas de Ararate”. Noé enviou um corvo e depois uma pomba para verificar se as águas haviam baixado.
Quando a pomba retornou com um ramo de oliveira, tornou-se um símbolo universal de paz e de um novo começo.
Ao sair da arca, a primeira atitude de Noé foi construir um altar e oferecer um sacrifício a Deus.
Em resposta, Deus estabeleceu a Aliança de Noé, prometendo nunca mais destruir a Terra com água. O sinal desta aliança eterna é o arco-íris, um lembrete da fidelidade e misericórdia de Deus [4].

Análise teológica e simbolismo
A história da arca é uma das mais ricas em significado teológico em todo o Antigo Testamento.
A Arca como símbolo da salvação
Em seu nível mais fundamental, a arca é o instrumento da salvação divina. Em um mundo sentenciado ao juízo, a arca foi o único lugar de segurança, providenciado pela graça de Deus e acessado pela fé e obediência de Noé.
Ela representa a verdade de que a salvação do juízo de Deus só pode ser encontrada no refúgio que Ele mesmo provê.
A Arca e a Igreja
Os escritores do Novo Testamento viram na história da arca uma prefiguração (ou “tipo”) da salvação em Cristo. O apóstolo Pedro faz a conexão mais explícita:
“…a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água; Que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, o batismo…”
1 Pedro 3:20-21

Nesta interpretação, a arca é um tipo da Igreja ou do próprio Cristo. Assim como a arca carregou seus ocupantes em segurança através das águas do juízo, a fé em Cristo (simbolizada no batismo) nos leva em segurança através do juízo final. A arca é um evangelho em madeira, um testemunho da salvação pela graça através da fé [5].
Paralelos Históricos e Culturais
A narrativa de um dilúvio cataclísmico não é exclusiva da Bíblia. Histórias notavelmente semelhantes foram encontradas em várias culturas do antigo Oriente Próximo, sugerindo uma memória cultural compartilhada de um evento devastador.
A Epopeia de Gilgamesh
O paralelo mais famoso é a Epopeia de Gilgamesh da Mesopotâmia. Nela, o herói Utnapishtim é avisado pelo deus Ea para construir um grande barco e salvar sua família, artesãos e animais de um dilúvio que os deuses decidiram enviar porque estavam irritados com o barulho da humanidade.
Assim como Noé, Utnapishtim sobrevive ao dilúvio, seu barco pousa em uma montanha, e ele envia pássaros para verificar se a terra está seca antes de oferecer um sacrifício [6].
Embora as semelhanças sejam impressionantes, as diferenças teológicas são profundas.
No relato bíblico, o Dilúvio é um ato moral e justo de um Deus único e soberano contra o pecado humano. Nos mitos pagãos, é uma ação arbitrária e egoísta de um panteão de deuses caprichosos e em conflito.

A Arca de Noé em outras religiões
A história da Arca de Noé não se limita ao livro de Gênesis. Ao longo dos séculos, ela foi contada, expandida e reinterpretada em diversas culturas e religiões, cada uma adicionando detalhes e perspectivas únicas sobre a famosa embarcação.
No Judaísmo Rabínico e em Relatos Antigos
A tradição judaica, especialmente em textos como o Talmude e o Midrash, oferece um retrato vívido e detalhado da vida a bordo da Arca.
A Vida na Arca
Segundo esses relatos, Noé trabalhou dia e noite, sem dormir durante todo o ano, para alimentar e cuidar dos animais.
Acredita-se que Deus ou os anjos ajudaram a reunir as criaturas, e que os animais limpos se identificaram ajoelhando-se diante de Noé.
Dentro da Arca de Noé, os animais se comportaram com bondade, não procriaram, e uma luz era provida por pedras preciosas que brilhavam como o sol do meio-dia [2].

Historiadores Antigos
Vários escritores dos primeiros séculos do cristianismo e do judaísmo falaram sobre a Arca como se seus vestígios ainda fossem conhecidos em sua época. O historiador Flávio Josefo (século I) escreveu que os armênios acreditavam que os restos da Arca de Noé ainda podiam ser vistos nas montanhas.
Da mesma forma, líderes da igreja como João Crisóstomo e Epifânio de Salamina (século IV) mencionaram em seus escritos que os restos da Arca ainda eram preservados nas montanhas da Armênia (ou “país dos curdos”) como um aviso para a humanidade.
Gnosticismo
O texto gnóstico Hipóstase dos Arcontes narra que o dilúvio foi causado por um governante divino maligno (o Arconte) para destruir o mundo.
Noé foi instruído a construir a arca, mas quando uma figura divina chamada Norea quis entrar, Noé a impediu. Em resposta, Norea usou seu poder para soprar sobre a arca e incendiá-la, forçando Noé a reconstruí-la uma segunda vez.
Mandaísmo
No livro sagrado dos mandeus, o Ginza, Noé (chamado de Nu) e sua família são salvos do dilúvio em uma arca chamada kawila.
No Islamismo
No Alcorão, a arca é chamada de safina (um navio comum), e não de uma “caixa”. É descrita como “uma coisa de tábuas e pregos”. Uma tradição islâmica relata que Alá revelou a Noé (Nūḥ) que a arca deveria ter a forma da “barriga de um pássaro” e ser feita de madeira de teca [7].
O historiador medieval Masudi escreveu que a arca iniciou sua jornada em Kufa (Iraque), navegou até Meca, circulando a Caaba, antes de finalmente repousar no Monte Judi, um local que, segundo ele, ainda podia ser visto em seu tempo [7].

Fé Baháʼí
Na Fé Baháʼí, a história da Arca e do Dilúvio é entendida de forma simbólica. A “arca” representa os ensinamentos de Noé, e os que nela entraram foram aqueles que se mantiveram “espiritualmente vivos”. Os que se afogaram estavam “espiritualmente mortos”, submersos na própria ignorância.
A busca pela Arca
As buscas pela Arca de Noé têm sido realizadas desde o século IV, com relatos do historiador Flávio Josefo indicando que fragmentos da arca poderiam ser encontrados nas montanhas da Armênia, possivelmente no Monte Ararate.
No entanto, a busca moderna pela Arca é hoje classificada como pseudoarqueologia [8].
Apesar de vários locais terem sido sugeridos, como o sítio de Durupınar e o Monte Tendürek, investigações geológicas indicaram que as supostas “restos” da arca eram, na verdade, formações sedimentares naturais.
A viabilidade científica da Arca e do Dilúvio Universal, conforme descritos na Bíblia, é amplamente rejeitada pela comunidade científica [8].

Literalismo ou interpretação teológica
O debate sobre a natureza do Dilúvio, se foi um evento global que cobriu toda a Terra ou um dilúvio local devastador na Mesopotâmia, continua.
Cientistas apontam para os desafios geológicos e biológicos de um dilúvio global literal. No entanto, para a maioria dos teólogos, a historicidade exata do evento é secundária à sua poderosa verdade teológica [9].
A mensagem central da arca não depende de seu tamanho exato ou da logística animal, mas de seu testemunho sobre o pecado, o juízo e a salvação providencial de Deus [9].
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.
[Vídeo] A HISTÓRIA DE NOÉ: A ARCA E O GRANDE DILÚVIO (Rodrigo Silva). PrimoCast.
[Vídeo] ENCONTRARAM A ARCA DE NOÉ? COMO COUBERAM OS ANIMAIS? DILÚVIO GLOBAL? Dois Dedos de Teologia.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, sobre esta história tão conhecida das Escrituras.
Onde se encontra hoje a Arca de Noé?
A localização da Arca de Noé é um mistério e ela não foi oficialmente encontrada. Embora alguns achem que ela está no Monte Ararate, na Turquia, nenhuma evidência científica comprovou sua existência. A busca por ela é considerada pseudoarqueologia pela maioria dos pesquisadores.
Qual é a história da Arca de Noé?
A história da Arca de Noé, descrita em Gênesis, narra como Deus, entristecido pela maldade humana, decidiu inundar a Terra. Ele ordenou a Noé que construísse uma grande arca para salvar sua família e um par de cada espécie de animal, garantindo a continuidade da vida após o Dilúvio.
Qual é a história da Arca de Noé?
A Bíblia (Gênesis 6-9) descreve a Arca de Noé como uma grande embarcação construída sob as instruções divinas. Ela serviu como refúgio para Noé, sua família e os animais durante o Dilúvio. Após a inundação, a Arca repousou sobre as montanhas de Ararate, e Noé e os animais saíram para repovoar a Terra.
Qual o único animal que não entrou na arca?
Não há nenhum animal específico na Bíblia que não tenha entrado na Arca. O texto bíblico diz que Noé levou consigo “dois de cada espécie de todos os seres vivos” (Gênesis 6:19-20), com exceção dos animais “limpos”, que foram levados de sete em sete pares.
Por que a Arca de Noé nunca foi encontrada?
A Arca nunca foi encontrada porque sua existência e os eventos do Dilúvio, conforme descritos na Bíblia, não possuem comprovação científica. Muitos cientistas consideram o relato uma narrativa mitológica ou alegórica, e as buscas por ela são vistas como pseudoarqueologia.
Quem fechou a Arca de Noé por fora?
De acordo com Gênesis 7:16, foi o próprio Deus quem fechou a porta da Arca de Noé por fora. “O Senhor, porém, fechou a porta por trás de Noé”. Esse ato simboliza a intervenção divina para proteger os que estavam dentro da Arca do Dilúvio que se aproximava.
Tem alguma prova que a Arca de Noé existiu?
Até o momento, não existe nenhuma prova científica ou arqueológica que comprove a existência da Arca de Noé. As supostas descobertas em locais como o Monte Ararate foram refutadas por investigações geológicas que as identificaram como formações naturais.
Qual foi o fim da Arca de Noé?
O fim da Arca de Noé é descrito em Gênesis 8:4, onde ela repousa “sobre as montanhas de Ararate” após as águas do Dilúvio retrocederem. O destino final do barco não é mencionado na Bíblia. Acredita-se que ela tenha sido desmontada ou que se desintegrou com o tempo.
Onde fica a Arca de Noé em tamanho real?
A Arca de Noé em tamanho real (réplica) fica no Ark Encounter, um parque temático cristão em Williamstown, Kentucky, nos Estados Unidos. O local foi construído de acordo com as dimensões bíblicas da Arca e é uma das maiores estruturas de madeira do mundo.
Quem engravidou na Arca de Noé?
A Bíblia não menciona nenhuma gravidez na Arca. O texto de Gênesis 7:7 lista os ocupantes: “Noé e seus filhos, Sem, Cam e Jafé, e sua mulher e as mulheres de seus filhos com eles.” O repovoamento da Terra começou apenas depois que eles deixaram a Arca.
O que foi encontrado dentro da suposta Arca de Noé na Turquia?
As supostas “descobertas” dentro da formação de Durupınar, na Turquia, são consideradas formações geológicas naturais e não vestígios de uma embarcação. Embora alguns acreditem ter encontrado evidências, a maioria dos geólogos e arqueólogos rejeita a ideia de que o local tenha qualquer ligação com a Arca de Noé.
Fontes
[1]. Bíblia Sagrada, Gênesis, Capítulos 6-9.
[2]. Wenham, Gordon J. (1987). Genesis 1–15, Word Biblical Commentary.
[3]. Hasel, Gerhard F. (1978). “The Genealogies of Gen 5 and 11 and Their Alleged Babylonian Background.” Andrews University Seminary Studies.
Demais fontes
[4]. Clines, David J. (1998). “The Theology of the Flood Narrative”. Em The Flood Legend: A Casebook.
[5]. Augustine of Hippo, City of God, Book 15, Chapter 27.
[6]. George, Andrew R. (2003). The Babylonian Gilgamesh Epic: Introduction, Critical Edition and Cuneiform Texts. Oxford University Press.
[7]. Alcorão Sagrado, Sura 11 (Hud), versículos 25-49; Sura 71 (Nūḥ).
[8]. Bailey, Lloyd R. (1989). Noah, the Person and the Story in History and Tradition. University of South Carolina Press.
[9]. Young, Davis A. (1995). The Biblical Flood: A Case Study of the Church’s Response to Extrabiblical Evidence. Eerdmans.
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