Sete, filho de Adão (Bíblia)

Sete, filho de Adão e Eva, nasceu para substituir Abel. Considerado um descendente designado por Deus, sua linhagem deu origem a Noé.

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A história bíblica apresenta Sete como o filho da promessa nascido da tragédia, a semente de esperança plantada por Deus no solo de um mundo já manchado pelo primeiro assassinato.

Terceiro filho de Adão e Eva, sua chegada acontece após a morte de Abel e o exílio de Caim. Longe de ser apenas um substituto, Sete representa a fidelidade de Deus em preservar uma linhagem piedosa.

Sua história, registrada nas primeiras páginas de Gênesis, é o base sobre o qual se constrói a genealogia da redenção que atravessa toda a Escritura até a chegada do Messias.


Nascimento e família de Sete

O mundo de Sete era pequeno e quebrado. A primeira família, criada em perfeição, agora vivia à sombra da Queda, com suas consequências se manifestando da forma mais brutal possível.

O pecado não era mais uma teoria; era uma realidade que havia ceifado a vida de um filho e envenenado a alma de outro. É neste cenário de luto, vergonha e aparente descontinuidade da promessa de Gênesis 3:15 que ele nasce.

Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar”

Gênesis 3:15 (NVI)

Ele não é apenas mais um filho, mas a intervenção de Deus na história, a prova de que o plano de Deus não seria frustrado pela maldade humana. Sua família é o microcosmo da condição humana, contendo retidão, rebelião, dor e a esperança da redenção.

Novamente Adão teve relações com sua mulher, e ela deu à luz outro filho, a quem chamou Sete, dizendo: “Deus me concedeu um filho no lugar de Abel, visto que Caim o matou”. Também a Sete nasceu um filho, a quem deu o nome de Enos.

Nessa época começou-se a invocar o nome do Senhor.

Gênesis 4:25-26 (NVI)
Ícone russo. Linha dos Patriarcas em iconóstase. 1630. Zhdan Dementiev, Vologda. Catedral da Assunção, Monastério de São Cirilo-Belozersky. Museu do Monastério Cirilo Belozersky
Ícone russo. Linha dos Patriarcas em iconóstase. 1630. Zhdan Dementiev, Vologda. Catedral da Assunção, Monastério de São Cirilo-Belozersky. Museu do Monastério Cirilo Belozersky

Adão: O pai

Adão, o primeiro homem, foi criado à imagem e semelhança de Deus, mas transmitiu a seus filhos uma imagem diferente. Gênesis 5:3 afirma que Adão gerou Sete “à sua semelhança, conforme a sua imagem”. Esta é uma declaração de peso teológico.

Ele herdou de seu pai uma natureza humana marcada pela Queda, inclinada ao pecado e sujeita à morte. Contudo, ele também recebeu a imago Dei, a dignidade de ser um portador da imagem divina.

Eva: A mãe

No coração da dor de Eva, o nascimento de Sete acendeu uma chama de fé. Sua declaração em Gênesis 4:25 é uma das confissões teológicas mais profundas do Antigo Testamento: “Deus me deu outro descendente em lugar de Abel, porquanto Caim o matou”. Eva não viu o nascimento como um acaso, mas como um ato soberano.

Ela nomeou seu filho “Sete”, que significa “designado”, porque entendeu que Deus o havia apontado para um propósito.

Caim e Abel: Os irmãos

Sete nasceu à sombra de seus dois irmãos mais velhos, que representam os dois caminhos que se abriram para a humanidade após a saída do Éden. Abel foi o pastor justo, o adorador cujo sacrifício foi aceito, tornando-se o primeiro mártir da fé.

Caim, por outro lado, foi o lavrador rebelde cujo coração invejoso o levou ao fratricídio e a uma vida de exílio espiritual. Abel estava morto e Caim estava perdido.

Enos: O filho

O legado de Sete floresceu imediatamente em seu filho, Enos. A Escritura faz uma observação breve, mas de enorme significado: com o nascimento de Enos, “se começou a invocar o nome do Senhor” (Gênesis 4:26). Enos solidificou a herança de seu pai, garantindo que a chama da adoração continuasse acesa.


As duas linhagens de Adão

A narrativa de Gênesis coloca a descendência de Sete em contraste direto com o legado de seu irmão Caim. A linhagem de Caim é descrita em termos de progresso cultural: eles construíram cidades, desenvolveram a pecuária, a música e a metalurgia [1].

Eram inovadores, os arquitetos da civilização humana. Contudo, esse avanço estava divorciado de Deus e mergulhado em orgulho e violência, culminando na figura de Lameque, que se vangloriava de sua vingança e foi o primeiro polígamo registrado. A cidade do homem era impressionante, mas espiritualmente vazia.

Por outro lado, sua linhagem é definida por uma única, porém marcante, atividade: invocar o nome do Senhor. Seu legado não foi medido em bronze ou ferro, mas em devoção.

Enquanto Caim construía um nome para si mesmo na terra, os descendentes de Sete buscavam o nome de seu Deus.

Essa dicotomia estabelece um padrão que percorre toda a Bíblia: a tensão entre a Cidade do Homem, que busca a glória própria, e a Cidade de Deus, composta por aqueles que vivem pela fé.

Linhagem de Sete e Linhagem de Caim
Linhagem de Sete e Linhagem de Caim

Sete na história da Redenção

O papel de Sete como descendente de Adão se desdobra na história da Salvação. Foi sua descendência, a linhagem de adoradores, que Deus escolheu preservar do juízo do Dilúvio, enquanto a linhagem de Caim foi apagada [2]. Assim, ele se torna o ancestral de toda a humanidade pós-dilúvio.

O Novo Testamento confirma essa importância. Na genealogia de Jesus em Lucas 3, a linhagem do Messias é traçada até seus primórdios. O versículo final da lista declara que ele era “filho de Adão, filho de Deus” (Lucas 3:38). Esta inclusão não é acidental.


Sete em outras religiões

Embora Sete seja central para a genealogia da redenção na tradição judaico-cristã, sua influência se estende para outras religiões do Oriente Médio. O que demonstra que eles tinham um conhecimento, mesmo que vago, de sua história de Criação.

Diversas religiões do Oriente Médio o integraram em suas próprias cosmologias, atribuindo-lhe papéis que vão de profeta e portador de sabedoria de Deus a figura angelical e ancestral exclusivo de um povo.

Sete no islamismo: O profeta Shith

O Alcorão não menciona Sete (conhecido no árabe como Šīṯ ou Shith) diretamente. No entanto, ele é profundamente reverenciado dentro da tradição islâmica como o terceiro e justo filho de Adão e Hawwa (Eva). Visto como um presente concedido por Alá a Adão após a morte de Abel, Shith assume a posição de segundo profeta do Islã, sucedendo seu pai. [4]

O historiador sunita Ibn Kathir, em sua obra Al-Bidāya wa-n-nihāya (“O Começo e o Fim”), registra que Shith foi encarregado de transmitir a Lei de Deus à humanidade após a morte de Adão, colocando-o entre os exaltados patriarcas antediluvianos. [5]

Certas tradições islâmicas afirmam que Shith foi o receptor de escrituras divinas [6]. Alguns teólogos conectam esses textos às “primeiras escrituras” mencionadas no Alcorão (Surata 87:18). O historiador medieval al-Tabari relata que Sete enterrou seu pai Adão juntamente com textos secretos na “Caverna dos Tesouros”.

A literatura islâmica sustenta que Shith detinha uma sabedoria singular, incluindo o conhecimento do tempo, a profecia sobre o futuro Grande Dilúvio e a inspiração para métodos de oração noturna.

Assim como no Judaísmo e no Cristianismo, o Islã traça a genealogia de toda a humanidade de volta a Shith, uma vez que a linhagem de Caim teria sido destruída no Dilúvio [7].

O profeta islâmico Shith, suposto Sete, (à direita) ensinando seu filho Anush
O profeta islâmico Shith (à direita) ensinando seu filho Anush

Legado de sabedoria

A sabedoria de Shith é um tema recorrente no Islã. O estudioso sírio do século XI, Al-Mubashshir ibn Fātik, incluiu um capítulo sobre Sete em seu livro de máximas filosóficas [8].

No sufismo, o místico Ibn Arabi dedica um capítulo de sua obra Fusus al-Hikam (“Os Engastes da Sabedoria”) à “Sabedoria da Expiração na Palavra de Sete”, explorando sua dimensão espiritual [9].

Os supostos túmulos de Sete

A diversos locais reivindicados como o túmulo do profeta Shith. Um dos mais conhecidos fica na vila de Al-Nabi Shayth, no Líbano, onde uma mesquita foi construída em sua homenagem. Outra tradição, registrada por geógrafos medievais, localizava seu túmulo na vila palestina de Bashshit [10].

Outros locais apontados incluem a cidade de Balkh, no Afeganistão, e um túmulo de quase quatro metros de comprimento na mesquita Hazrat Shees Jinnati em Ayodhya, na Índia, uma crença documentada desde o século XVI [11][12].

O suposto túmulo de Seth em Bashshit , atual Israel
O suposto túmulo de Seth em Bashshit , atual Israel

Sete no mandeísmo: O anjo de Shitil

No Mandeísmo, uma antiga religião gnóstica que reverencia João Batista, a figura de Sete é associada a um ser angelical e salvífico chamado Shitil (Šitil). De acordo com os textos sagrados mandeus, como o Genzā Rabbā e o Livro Mandeu de João, Shitil é um filho de Adão Kadmaya (o Adão Primordial) que, junto com seus irmãos Anush (Enos) e Hibil (Abel), atuou como um revelador da verdadeira gnosis (conhecimento) [13].

As relações de Shitil são complexas nas diferentes tradições; ele é por vezes filho de Adão, irmão de Hibil ou pai de Anush. Independentemente da genealogia, sua função é a de um uthrā, um ser de luz do mundo celestial. Ele é um dos profetas e reveladores do Mandeísmo, identificado explicitamente com o Sete bíblico [14].

Sete no yazidismo: O ancestral Shehid ibn Jerr

No Yazidismo, uma fé sincrética encontrada principalmente entre o povo curdo, Sete é conhecido como Shehid ibn Jerr. Sua história de origem é radicalmente diferente de todas as outras tradições e é central para a identidade yazidi. [15]

De acordo com a literatura oral yazidi, Adão e Eva testaram sua capacidade de procriar de forma independente. Cada um depositou sua semente em uma jarra selada. Após nove meses, a jarra de Eva foi aberta e continha apenas insetos e vermes. A jarra de Adão, no entanto, continha uma bela criança: Shehid ibn Jerr.

A partir desta narrativa, os yazidis acreditam que descendem unicamente de Adão através de Sete, tendo sido criados de forma separada e distinta de todos os outros seres humanos, que teriam se originado da união de Adão e Eva. [16]

Santuário Yazidi de Mame Reshan, parcialmente destruído pelo Daexe, nas montanhas Sinjar
Santuário Yazidi de Mame Reshan, parcialmente destruído pelo Daexe, nas montanhas Sinjar

Etimologia e significado de Sete

O nome Sete, do hebraico Šēt (שֵׁת) deriva do verbo hebraico šāṯ, que significa “designar”, “colocar” ou “estabelecer” [3].

Como a própria Eva projetou, seu nome significa “designado”. Ele não era simplesmente “outro” filho; ele foi o filho divinamente apontado para cumprir um propósito específico. Seu nome encapsula a soberania e a graça de Deus.


Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] Imagem de Deus. Bible Project.

[Vídeo] A linhagem de Caim e Sete (Gn 4.17-26). Augustus Nicodemus.


Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com as respostas, que as pessoas fazem sobre este importante personagem bíblico.

O que a Bíblia diz sobre Sete?

A Bíblia apresenta Sete como o terceiro filho de Adão e Eva, nascido para substituir o justo Abel. Considerado por sua mãe um presente “designado” por Deus, ele deu continuidade à linhagem piedosa. Em sua descendência, os homens começaram a invocar o nome do Senhor. Ele é ancestral de Noé.

Quem é Sete na Bíblia?

Sete é o terceiro filho de Adão e Eva. Ele nasceu após a morte de Abel. Descrito na genealogia de Cristo.

Quem é a mulher de Sete na Bíblia?

A Bíblia não menciona o nome da esposa de Sete. Gênesis 5:7 apenas registra que ele “gerou filhos e filhas”, o que indica que ele se casou, provavelmente com uma de suas irmãs ou outra parente próxima, como era necessário.


Fontes

[1] Gênesis 4:17-22 (Bíblia Sagrada).

[2] Josefo, Flávio. Antiguidades Judaicas, Livro 1, Capítulo 3.

[3] Koehler, L., & Baumgartner, W. (1994-2000). The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Leiden; New York: E.J. Brill.

[4] Kathir, I. Al-Bidāya wa-n-nihāya (O Começo e o Fim).

[5] Tottoli, R. (2013). Biblical Prophets in the Qur’an and Muslim Literature. Routledge, p. 57.

[6] Noegel, S. B., & Wheeler, B. M. (2002). Historical Dictionary of Prophets in Islam and Judaism. Scarecrow Press, p. 302.

[7] Nagendra, K. S. (1988). The Ramayana in Indonesia.

[8] Rosenthal, F. (1963). Das Fortleben der Antike im Islam. Artemis Verlag.

[9] Chittick, W. C. (1980). The Sufi Path of Knowledge: Ibn al-ʻArabi’s Metaphysics of Imagination. State University of New York Press.

[10] Khalidi, W. (1992). All That Remains: The Palestinian Villages Occupied and Depopulated by Israel in 1948. Institute for Palestine Studies, p. 363.

[11] Beveridge, H. (1922). The Akbarnama of Abu’l-Fazl. The Asiatic Society.

[12] Sarkar, J. (1901). India of Aurangzeb.

[13] Drower, E. S. (1960). The Secret Adam: A Study of Nasoraean Gnosis. Oxford University Press.

[14] Buckley, J. J. (2002). The Mandaeans: Ancient Texts and Modern People. Oxford University Press, p. 45.

[15] Kreyenbroek, P. G. (1995). Yezidism—Its Background, Observances and Textual Tradition. E. Mellen Press.

[16] Kreyenbroek, P. G. (2005). God and Sheikh Adi are Perfect: Sacred Poems and Religious Narratives from the Yezidi Tradition. Harrassowitz.

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Diego Pereira do Nascimento
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