Yaldabaoth

Yaldabaoth, é uma divindade pagã presente no gnosticismo. Este é um outro nome para o Demiurgo, considerado um deus imperfeito do AT.

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Yaldabaoth é uma divindade presente na cosmologia de muitas seitas gnósticas, representando o Demiurgo que criou o universo material.

Esta entidade é caracterizada por sua ignorância e arrogância, acreditando ser a única divindade existente, enquanto permanece alheia ao Verdadeiro Deus.

Neste artigo apresentando os principais conceitos envolvendo esta divindade pagã.

Yaldabaoth: O Demiurgo gnóstico

No complexo sistema de crenças gnósticas, Yaldabaoth é amplamente reconhecido como o demiurgo, uma entidade intermediária responsável pela criação do mundo físico [1].

Ele é frequentemente descrito como o primeiro e o mais importante dos arcontes, seres celestiais menores que governam os diferentes níveis dos céus. Sua origem está ligada a uma emanação falha do reino divino, resultando em uma criação imperfeita.

Origem de Yaldabaoth

Segundo os textos gnósticos, a criação de Yaldabaoth não foi intencional ou parte do plano do verdadeiro Deus, conhecido como o Pleroma ou o Pai Inefável [2]. Ele surgiu de um erro ou de um ato de presunção de Sophia (Sabedoria), uma das emanações divinas mais baixas no Pleroma.

Sophia, em sua busca por compreender o Inefável, gerou Yaldabaoth sem o consentimento do Pai, uma concepção que é descrita como imperfeita e abortiva.

Este evento inicial marcou Yaldabaoth com uma natureza híbrida, sendo parte divina em sua origem, mas também inferior e corrompida.

Ele é muitas vezes retratado como uma criatura grotesca, com cabeça de leão e corpo de serpente, simbolizando sua natureza híbrida e sua arrogância [3]. Sua aparência reflete o caos de sua concepção e sua separação da luz divina.

Demiurgo, "Aurora do Mundo" de William Blake,1794
Demiurgo, “Aurora do Mundo” de William Blake,1794

A Criação do mundo material

Yaldabaoth, em sua ignorância de uma Divindade superior, procedeu à criação do cosmos material e dos seres humanos [4].

Ele modelou o mundo físico e seus habitantes com base em uma imagem que ele viu, mas que não compreendeu em sua plenitude. Essa imagem era, na verdade, um reflexo do Pleroma, o reino da verdadeira luz.

Ele criou este mundo com seus próprios arcontes assistentes, que governam diferentes esferas celestiais. O universo material, para os gnósticos, é, portanto, uma prisão ou uma ilusão, criada por uma divindade ignorante e tirana.

O mundo material é visto como inerentemente mau ou, no mínimo, deficiente, e não como a boa criação do Deus bíblico.

A ignorância e a arrogância de Yaldabaoth

Uma das características mais definidoras de Yaldabaoth é sua profunda ignorância sobre a existência de qualquer divindade acima dele [5].

Ele se autoproclama o único Deus, o “Deus ciumento” que declara: “Eu sou um Deus zeloso, e não há outro além de mim” (uma distorção de Êxodo 20:5 e Isaías 45:5-6) [6].

Esta declaração é um pilar da teologia gnóstica sobre Yaldabaoth. Para os gnósticos, o Deus do Antigo Testamento, que se apresenta como um Deus ciumento e punitivo, é precisamente Yaldabaoth.

Ele é o criador que exige adoração e obediência, mas que não conhece a verdadeira fonte de sua própria existência.

Códice II , um dos escritos gnósticos mais proeminentes encontrados na biblioteca de Nag Hammadi. Aqui estão mostrados o final do Apócrifo de João e o início do Evangelho de Tomé
Códice II , um dos escritos gnósticos mais proeminentes encontrados na biblioteca de Nag Hammadi. Aqui estão mostrados o final do Apócrifo de João e o início do Evangelho de Tomé

O conflito com a verdadeira sabedoria

A ignorância de Yaldabaoth sobre a verdadeira Divindade é contrastada com a intervenção da verdadeira Sabedoria (Sophia). Após sua criação do mundo, a luz divina é introduzida secretamente na humanidade, muitas vezes através de uma “centelha divina” aprisionada nos corpos materiais [7].

Sophia, a Mãe divina, busca corrigir o erro de sua emanação e redimir a centelha divina dentro dos seres humanos. Mensageiros da luz, como Cristo em algumas tradições gnósticas, são enviados do Pleroma para despertar os humanos para sua verdadeira origem e guiá-los para fora da prisão material de Yaldabaoth [8].

Yaldabaoth e o Mal

A doutrina gnóstica postula que o mal e o sofrimento no mundo material são resultados diretos da natureza falha e ignorante de Yaldabaoth.

Como o criador é imperfeito, assim também é sua criação. Isso contrasta drasticamente com a visão cristã, que atribui o mal à queda da humanidade e não a um criador inerentemente mau ou ignorante [9].

Para os gnósticos, a salvação reside no conhecimento (gnosis) que liberta o espírito humano da influência de Yaldabaoth e do mundo material. Este conhecimento revela a verdadeira origem divina do espírito e o caminho de volta ao Pleroma, o reino da luz.

Uma divindade serpentina com cara de leão encontrada em uma joia gnóstica
Uma divindade serpentina com cara de leão encontrada em uma joia gnóstica

Perspectiva protestante sobre Yaldabaoth

Do ponto de vista da teologia cristã protestante, a figura de Yaldabaoth e toda a cosmologia gnóstica são consideradas heréticas [10]. A doutrina gnóstica diverge fundamentalmente da fé bíblica em diversos pontos cruciais, especialmente no que diz respeito à natureza de Deus, da criação e da salvação.

O Deus da Bíblia: Criador soberano e bom

A fé cristã afirma a unicidade de Deus como o Criador soberano e bom de todas as coisas, tanto visíveis quanto invisíveis. Gênesis 1:1 declara:

“No princípio, criou Deus os céus e a terra”. Este Deus é onisciente, onipotente e onipresente, e sua criação é descrita como “muito boa”

Gênesis 1:31

Não existe um demiurgo ignorante que criou o mundo. O próprio Deus de Israel é o criador amoroso e intencional do universo.

Salmos 19:1 proclama que “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos”.

Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis
Ilustração representando a criação do mundo segundo o Gênesis

Refutação da dualidade gnóstica

A teologia protestante rejeita a dualidade gnóstica entre um “deus malvado” do Antigo Testamento (Yaldabaoth) e um “bom deus” do Novo Testamento. A Bíblia apresenta um Deus consistente e imutável [11]. O Deus que criou os céus e a terra em Gênesis é o mesmo Deus que libertou Israel do Egito, deu a Lei no Sinai e enviou Jesus Cristo para a salvação da humanidade.

Malaquias 3:6 afirma: “Porque eu, o Senhor, não mudo”. A natureza de Deus é perfeita e coerente em toda a Escritura. A ideia de que o Criador é ignorante ou mau contradiz a revelação bíblica de Deus como amoroso, justo e santo (1 João 4:8; Isaías 6:3).

A bondade da Criação material

Diferentemente do gnosticismo, que vê o mundo material como uma prisão imperfeita, o cristianismo protestante afirma a bondade da criação de Deus. Embora o mundo esteja sob o efeito da queda e do pecado, sua criação original era perfeita, e a própria redenção em Cristo abrange a restauração de toda a criação [12].

Colossenses 1:16-17 afirma que:

“nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, sejam poderes, sejam autoridades; tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste”.

Colossenses 1:16-17

Este texto refuta qualquer noção de uma criação acidental ou imperfeita.

Etimologia e significado de Yaldabaoth

O nome Yaldabaoth tem origens incertas, mas várias interpretações etimológicas foram propostas pelos estudiosos. É um nome de sonoridade estrangeira e misteriosa, que se encaixa bem em seu papel como uma figura herética [13].

Uma das etimologias mais aceitas sugere uma origem aramaica, onde “yalda” significa “filho” e “abaoth” pode estar relacionado a “caos” ou “trevas”, ou mesmo uma forma de “Pai” [14]. Assim, “Filho do Caos” ou “Filho de Abaoth” são possíveis interpretações.

Outra teoria liga o nome a “Yaldah Bahūt”, significando “criança do caos”, em referência ao caos primordial antes da Criação. Essa interpretação reforça a ideia de que Yaldabaoth é uma entidade que surge da desordem e da ignorância. Sua autoproclamação como o único Deus é central para seu caráter e para a narrativa gnóstica.

Referências Bíblicas Distorcidas

Os gnósticos frequentemente distorciam passagens do Antigo Testamento para justificar sua visão de Yaldabaoth. Por exemplo, a frase “Eu sou um Deus zeloso, e não há outro além de mim” (Êxodo 20:5; Isaías 45:5-6) era interpretada como evidência da arrogância e ignorância de Yaldabaoth, que não conhecia o Deus supremo do Pleroma [6].

Na perspectiva cristã, essas passagens afirmam a unicidade e a soberania do verdadeiro Deus. Ele é o único Deus verdadeiro, e sua exigência de lealdade reflete seu amor e seu desejo de que seu povo não se volte para ídolos falsos. A interpretação gnóstica subverte completamente o significado teológico dessas Escrituras.

Yaldabaoth e Outros Nomes Gnósticos

Em diferentes textos gnósticos, Yaldabaoth é conhecido por outros nomes, como Saklas (“o Louco” ou “o Tolo”) e Samael (“o deus cego”) [15].

Estes nomes reforçam sua caracterização como uma divindade inferior e enganada, que não compreende a verdadeira realidade divina. A multiplicidade de nomes destaca a complexidade e a variação dentro das diversas escolas gnósticas.

Cada um desses nomes sublinha uma faceta da ignorância e da imperfeição atribuídas ao criador do mundo material. Samael, “o deus cego”, em particular, enfatiza a falta de percepção espiritual de Yaldabaoth, que o impede de ver a existência do Pleroma.

Ilustração de pessoas adorando o Yaldabaoth (Gnosticismo)
Ilustração de pessoas adorando o Yaldabaoth (Gnosticismo)

Aprenda mais

[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.

[Vídeo] GNOSTICISMO: A DOUTRINA QUE DESAFIOU A RELIGIÃO TRADICIONAL – Professor Responde 97. Prof. Jonathan Matthies.

[Vídeo] Demiurgo – O Falso Criador. Maria Pereda, PhD.

Perguntas comuns

Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca desta divindade pagã importante para as seitas gnósticas.

O que é Yaldabaoth na Bíblia?

Yaldabaoth não é mencionado na Bíblia. Ele é uma figura de textos gnósticos, escritos após o Novo Testamento. Grupos gnósticos o associavam ao Deus do Antigo Testamento para explicar Sua ira e ciúme como características de um deus inferior, e não do Deus supremo.

Quem é Yaldabaoth na mitologia?

Na mitologia gnóstica, Yaldabaoth é o Demiurgo, o criador do mundo material. Nascido de um erro da emanação divina Sophia (Sabedoria), ele é ignorante de sua origem e do Deus verdadeiro. Com arrogância, ele se declara o único deus e aprisiona as almas no universo físico.

Quem é o deus demiurgo?

O deus demiurgo é o criador do universo material. Na filosofia de Platão, ele é um artesão bom e racional. No gnosticismo, ele é uma divindade inferior, frequentemente chamada de Yaldabaoth, que criou um mundo falho por ignorância ou maldade, em oposição ao Deus supremo.

Quais são os poderes do Yaldabaoth?

Como criador do mundo material, os poderes de Yaldabaoth estão ligados ao domínio sobre o cosmos físico e seus habitantes. Ele governa as esferas planetárias através de seus Arcontes (governantes), mantém as almas presas em corpos materiais e exerce autoridade sobre a matéria e a lei.

Quem é o deus do gnosticismo?

O gnosticismo apresenta um dualismo: há o Deus Supremo, uma Mônada perfeita, boa e incognoscível, que vive no reino espiritual (Pleroma). E há o Demiurgo (Yaldabaoth), um deus menor e ignorante, que criou e governa o mundo material imperfeito.

Fontes

[1] Pagels, Elaine H. The Gnostic Gospels. Vintage Books, 1979.

[2] Robinson, James M. (ed.). The Nag Hammadi Library in English. HarperOne, 1990. (Contém textos como A Hipóstase dos Arcontes e O Apócrifo de João que descrevem Yaldabaoth).

[3] Layton, Bentley. The Gnostic Scriptures: A New Translation with Annotations and Introductions. Doubleday, 1987.

[4] Jonas, Hans. The Gnostic Religion: The Message of the Alien God and the Beginnings of Christianity. Beacon Press, 2001.

[5] Yamauchi, Edwin M. Pre-Christian Gnosticism: A Survey of the Proposed Evidences. Baker Book House, 1973.

Demais fontes

[6] Williams, Michael. The Gnostic Discovery. HarperCollins, 1993.

[7] Rudolph, Kurt. Gnosis: The Nature and History of Gnosticism. HarperSanFrancisco, 1983.

[8] Pearson, Birger A. Gnosticism, Judaism, and Egyptian Christianity: Studies in Antiquity and Christianity. Fortress Press, 1990.

[9] Bruce, F. F. The Spreading Flame: The Rise and Progress of Christianity from Its First Beginnings to the Conversion of the English. Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1958.

[10] Irenaeus of Lyon. Against Heresies. (Escrito por volta de 180 d.C., uma das primeiras refutações cristãs ao gnosticismo).

[11] McGrath, Alister E. Christian Theology: An Introduction. Wiley-Blackwell, 2011.

[12] Wright, N. T. Surprised by Hope: Rethinking Heaven, the Resurrection, and the Mission of the Church. HarperOne, 2008.

[13] Kittel, Gerhard (ed.). Theological Dictionary of the New Testament. Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1964. (Para contexto etimológico mais amplo, embora Yaldabaoth não seja um termo NT).

[14] Mead, G.R.S. Fragments of a Faith Forgotten: The Gnostics: A Contribution to the Study of the Origins of Christianity. University Books, 1960.

[15] King, Karen L. What is Gnosticism?. The Belknap Press of Harvard University Press, 2003.

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