A Teologia Negativa, também conhecida como teologia apofática, é uma abordagem teológica que busca descrever Deus através da negação, afirmando o que Ele não é, em vez de tentar definir o que Ele é.
Este método se fundamenta no reconhecimento da transcendência absoluta de Deus e na profunda limitação da linguagem e da razão humana para compreender Sua essência infinita.
Longe de ser um caminho para o agnosticismo, a via negativa é uma disciplina intelectual e espiritual que visa proteger a majestade de Deus de ser reduzida a conceitos finitos, fomentando a humildade e a reverência.
A essência da Teologia Negativa: A via da negação
A teologia apofática opera a partir de um princípio fundamental: Deus é, em Sua essência, incompreensível para a mente finita. Ela não nega que possamos conhecer a Deus, mas insiste que nosso conhecimento, mesmo o revelado, é sempre parcial e nunca exaustivo.
O fundamento: A incompreensibilidade de Deus
A premissa da Teologia Negativa é que a mente humana, sendo criada e finita, não pode conter ou definir plenamente o Criador, que é incriado e infinito. Embora Deus Se revele na criação e nas Escrituras, essa revelação é uma acomodação à nossa capacidade limitada, não uma exposição completa de Sua plenitude interior [1].
Este caminho teológico não argumenta que não sabemos nada sobre Deus. Pelo contrário, ele pressupõe que a revelação é verdadeira e suficiente. No entanto, ele nos lembra que o que sabemos é um vislumbre, não a totalidade.
O conhecimento de Deus é mais como tocar a borda de um oceano infinito do que mapear todas as suas profundezas [2].
A abordagem apofática, portanto, não leva à dúvida, mas a uma forma mais profunda e humilde de conhecimento.
Ela nos convida a reconhecer que, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais percebemos a vastidão de Sua natureza, que sempre excede nossa capacidade de compreensão.

O método apofático na prática
O método da via negativa (via negativa) consiste em remover sistematicamente de nossa concepção de Deus todos os atributos e limitações que pertencem ao mundo criado. Este processo de negação purifica nosso entendimento, elevando-o além das categorias finitas.
Por exemplo, em vez de dizer que “Deus é bom” com base em nosso entendimento humano de bondade, a teologia apofática afirmaria que “Deus não é mau”. Isso não nega Sua bondade, mas afirma que a bondade divina transcende infinitamente qualquer padrão humano, que é sempre limitado e, por vezes, falho [3].
Da mesma forma, não se pode dizer que Deus “existe” da mesma maneira que uma pedra ou uma pessoa existe. Sua existência não é contingente, derivada ou limitada pelo tempo e espaço. Portanto, afirma-se que Deus não é temporal, não é espacial, não é composto de partes, nem possui um corpo [1].
Este exercício de negação não visa esvaziar o conceito de Deus, mas sim libertá-lo de nossas projeções antropomórficas. As Escrituras frequentemente utilizam uma linguagem semelhante para enfatizar essa transcendência, como em Isaías 55:8-9:
“Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor.
Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos.”
Isaías 55:8-9

Protegendo a majestade de Deus
A Teologia Negativa funciona como uma importante salvaguarda teológica contra a idolatria. A tendência humana, tanto no paganismo antigo quanto no pensamento moderno, é a de criar um Deus à nossa própria imagem, um ser cujos atributos e motivações são meras projeções de nossas próprias virtudes e limitações.
As Escrituras condenam veementemente essa prática (Salmo 115:4-8). O apóstolo Paulo, em Romanos 1:22-23, descreve a essência da idolatria como a troca da “glória do Deus incorruptível por imagens semelhantes ao homem corruptível”.
A via negativa se opõe diretamente a essa tendência, forçando a mente a confrontar a alteridade radical de Deus.
Ao negar que Deus seja limitado por nossas categorias, a teologia apofática nos lembra constantemente da Sua singularidade.
Ele não é simplesmente o maior ou o melhor ser em uma categoria que também nos inclui; Ele pertence a uma categoria totalmente diferente. Como o profeta Isaías pergunta retoricamente:
“A quem, pois, fareis semelhante a Deus? Ou com que semelhança o comparareis?”
Isaías 40:18

História da Teologia Negativa
Embora a consciência da transcendência de Deus seja bíblica, a formalização da Teologia Negativa como um método foi profundamente influenciada pela filosofia grega e desenvolvida pelos Padres da Igreja, encontrando um lugar tanto na tradição oriental quanto na ocidental.
Influências filosóficas pré-cristãs: Plotino
A filosofia neoplatônica, particularmente os ensinamentos de Plotino (século III d.C.), teve um impacto significativo na teologia cristã primitiva. Plotino descreveu a realidade última como “O Uno”, uma fonte primordial que está além de todo ser, pensamento e linguagem.
O Uno é tão absolutamente simples e transcendente que nada pode ser afirmado positivamente sobre ele, pois qualquer afirmação implicaria dualidade ou limitação [4].
Segundo Plotino, não se pode sequer dizer que “O Uno é”, pois isso o colocaria na categoria do ser.
A única maneira de se aproximar d’O Uno era através de uma disciplina de negação e uma ascensão mística que transcendia a razão, culminando em uma união inefável.
Essas ideias forneceram aos primeiros teólogos cristãos uma linguagem filosófica para articular a transcendência bíblica de Deus, distinguindo o Criador incriado de todo o universo criado.

Os Padres da Igreja e a tradição oriental
Os Padres da Igreja, especialmente os da tradição oriental, abraçaram a via negativa como uma ferramenta essencial. Gregório de Nissa (século IV), um dos Padres Capadócios, foi um de seus mais eloquentes defensores.
Ele argumentava que o verdadeiro conhecimento de Deus consiste em reconhecer que Ele é fundamentalmente inatingível pela razão [5].
Gregório usava a imagem de Moisés subindo o Monte Sinai como uma metáfora para a jornada da alma em direção a Deus.
Moisés entra em uma “escuridão luminosa”, um lugar onde a visão e os conceitos falham, mas onde a presença de Deus é experimentada de forma mais direta.
Para Gregório, o progresso espiritual é um “progresso no incompreensível”, onde cada nova percepção revela uma profundidade ainda maior do mistério divino.

Dionísio Areopagita
A figura mais influente para a formalização da Teologia Negativa, no entanto, foi um autor anônimo do século V ou VI que escreveu sob o pseudônimo de Dionísio Areopagita. Seus escritos, como “A Teologia Mística”, sistematizaram a abordagem apofática.
Dionísio descreveu uma ascensão da alma que primeiro faz afirmações sobre Deus (teologia catafática), depois as nega uma a uma, até chegar a um “silêncio místico” e a uma “união da ignorância”, onde, despojada de todos os conceitos, a alma repousa na presença inefável de Deus [6].
A Teologia Negativa na Idade Média
A influência de Pseudo-Dionísio se estendeu por toda a Idade Média. O teólogo escolástico Tomás de Aquino, embora seja mais conhecido por seu método catafático na Suma Teológica, também incorporou profundamente o pensamento apofático.
Aquino afirmava que, nesta vida, “não podemos saber o que Deus é, mas apenas o que Ele não é”. Ele argumentava que nossos predicados sobre Deus são sempre analógicos, nunca unívocos [7].
Ao mesmo tempo, místicos como Mestre Eckhart levaram a via negativa a suas conclusões mais radicais. Eckhart distinguia entre “Deus” (Deus), a pessoa divina com quem nos relacionamos, e a “Deidade” (Gottheit), a essência divina impessoal e inefável que está além de “Deus”.
Para Eckhart, a alma deve se esvaziar de todas as imagens e conceitos de Deus para se unir à Deidade no “fundo” do ser [8].

A Teologia Negativa na tradição Protestante
Embora a Teologia Negativa seja menos proeminente na tradição protestante, que enfatiza a clareza da revelação de Deus nas Escrituras, seus princípios ainda estão presentes e são funcionalmente importantes.
Os reformadores, como João Calvino, operavam com uma distinção implícita entre o “Deus absconditus” (o Deus oculto em Sua majestade e essência) e o “Deus revelatus” (o Deus revelado em Cristo e na Bíblia). Calvino advertia fortemente contra a especulação sobre a natureza secreta de Deus, insistindo que nosso conhecimento deve se limitar ao que Ele graciosamente escolheu revelar [9].
Essa distinção serve como uma barreira apofática: reconhece que a essência de Deus permanece um mistério insondável, mesmo que Sua vontade e caráter sejam claramente revelados para nossa salvação.
A ênfase na soberania e na majestade de Deus na teologia reformada reforça a ideia de que Ele transcende infinitamente a compreensão de Suas criaturas.
Karl Barth
No século XX, o teólogo Karl Barth ecoou esse tema com sua doutrina de Deus como o “totalmente Outro” (Ganz Andere).
Barth enfatizava a distinção qualitativa infinita entre Deus e o ser humano, uma barreira que só pode ser cruzada pela revelação de Deus em Jesus Cristo.
Embora vindo de uma perspectiva diferente, a ênfase de Barth na alteridade de Deus serve a um propósito semelhante ao da teologia negativa, prevenindo qualquer tentativa de fundir ou confundir o Criador com a criação [10].

Implicações práticas e o equilíbrio teológico da Teologia Negativa
A Teologia Negativa não é um mero exercício intelectual, mas possui implicações profundas para a fé, a adoração e a vida cristã.
O equilíbrio necessário com a teologia catafática
A via negativa não deve ser praticada isoladamente. Uma fé bíblica saudável requer um equilíbrio constante entre a teologia apofática (negação) e a teologia catafática (afirmação).
A Bíblia faz afirmações positivas e verdadeiras sobre Deus: “Deus é amor” (1 João 4:8), “Deus é luz” (1 João 1:5), “Deus é justo”. Essas revelações são o fundamento de nossa fé, confiança e relacionamento com Ele.
A Teologia Negativa atua como um corretivo para a teologia catafática. Ela nos lembra que, quando dizemos “Deus é amor”, Seu amor não é idêntico ao nosso amor humano, mas infinitamente mais profundo, puro e poderoso.
A negação purifica a afirmação, impedindo que a rebaixemos ao nosso nível. Juntas, as duas abordagens nos levam a um conhecimento mais rico e humilde de Deus, reconhecendo que o que sabemos é verdadeiro, mas nunca exaustivo.
Fomentando a humildade e a adoração
A prática da Teologia Negativa cultiva virtudes espirituais essenciais, como a humildade e a reverência.
Confrontar a incompreensibilidade de Deus nos lembra de nossa condição de criaturas e de Sua majestade infinita. Isso nos protege da arrogância intelectual e nos leva a uma postura de adoração.
Essa adoração transcende a mera formulação de doutrinas e se move em direção ao silêncio contemplativo e ao assombro diante do mistério divino.
A experiência de Jó, que, após tentar racionalizar seus sofrimentos, finalmente se cala diante de Deus, declarando: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:5-6), é um exemplo poderoso do fruto da teologia apofática.

Etimologia e significado de Teologia Negativa
O termo “Teologia Negativa” é uma tradução direta do conceito, enquanto sua contraparte, “Teologia Apofática”, tem origem grega. O termo “apofático” vem da palavra grega apóphasis (ἀπόφασις), que significa “negação” ou “dizer não a algo”. Este termo se contrasta diretamente com “Teologia Catafática”, que vem de katáphasis (κατάφασις), significando “afirmação” [11].
O significado por trás desses termos é claro. A teologia catafática segue a via da afirmação, construindo um entendimento de Deus com base nas qualidades que Ele revelou sobre Si mesmo (“Deus é bom”, “Deus é sábio”). Em contraste, a teologia apofática segue a via da negação, afirmando que Deus transcende todas essas categorias em sua essência.
A via negativa não nega a verdade dos atributos de Deus, mas nega que nossas concepções finitas desses atributos possam capturar adequadamente a realidade infinita de quem Ele é. Assim, a Teologia Negativa é, em última análise, um método para honrar a transcendência inigualável de Deus, que habita “em luz inacessível, a quem nenhum dos homens viu nem pode ver” (1 Timóteo 6:16).
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia
[Vídeo] A História do Cristianismo Como Você Nunca Viu | Episódio 01. Escola do Discípulo.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo pouco conhecido na Teologia.
O que significa teologia negativa?
A teologia negativa, ou apofática, é uma abordagem que busca descrever Deus focando no que Ele não é. Em vez de afirmar atributos positivos (Deus é amor), ela usa negações (Deus não é limitado, não é mortal) para expressar a transcendência e inefabilidade de Deus.
Quais são os 4 pilares da teologia?
Tradicionalmente, os quatro pilares da teologia, conhecidos como o Quadrilátero Wesleyano, são: Escritura (a principal fonte de autoridade), Tradição (a sabedoria histórica da Igreja), Razão (o uso do intelecto para entender a fé) e Experiência (o encontro pessoal e comunitário com Deus).
Fontes
[1] Lossky, V. (1976). The Mystical Theology of the Eastern Church. St. Vladimir’s Seminary Press.
[2] Turner, D. (1995). The Darkness of God: Negativity in Christian Mysticism. Cambridge University Press.
[3] Feser, E. (2017). Five Proofs of the Existence of God. Ignatius Press.
Demais fontes
[4] Plotino. As Enéadas.
[5] Gregório de Nissa. A Vida de Moisés.
[6] Pseudo-Dionísio Areopagita. A Teologia Mística.
[7] Tomás de Aquino. Suma Teológica, Parte I, Questão 13.
[8] McGinn, B. (2001). The Mystical Thought of Meister Eckhart: The Man from Whom God Hid Nothing. The Crossroad Publishing Company.
[9] Calvino, J. As Institutas da Religião Cristã, Livro I, Capítulo 13.
[10] Barth, K. (1933). The Epistle to the Romans.
[11] Liddell, H. G., & Scott, R. (1940). A Greek-English Lexicon. Oxford University Press.
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