O Triteísmo é uma heresia que surgiu no no século VII d.C. Ela pregava a existência de três deuses distintos e independentes, uma visão contrária a doutrina da Trindade, que afirma a existência de um único Deus em três pessoas.
Essa heresia negava o monoteísmo cristão e diversas doutrinas já estabelecidas pela Igreja Cristã até então, século VII d.C. Ela foi rapidamente condenada pelo Terceiro Concílio de Constantinopla (680 D.C), que afirmou a doutrina da Trindade e desmitificou as crenças triteístas.
Neste artigo apresentamos um pouco desta heresia antiga, porém que possui simpatizantes até a atualidade.
História do Triteísmo
Ao longo da história do cristianismo, em especial no primeiro milênio, diversas doutrinas centrais da Fé Cristã foram estabelecidas. Essas doutrinas definem o que é o cristianismo, o que cremos, como pensamos e deixam claro as verdades bíblicas da Escrituras.
Umas principais doutrinas cristã, sem dúvidas, é a Trindade. Apesar de não sermos capaz de a compreendermos como um todo, a Bíblia é clara sobre a existência de Um Deus que ao mesmo tempo três.
Devido a dificuldade e se compreender em sua totalidade a Trindade, diversas heresias surgiram ao longo da história para tentar refutá-la.
As primeiras heresias foram o Modalismo e o Subordinacionismo, que negavam a igualdade das três pessoas da Trindade (Deus Pai, Deus Filho e Espírito Santo).
Apesar da popularidade dessas duas principais heresias que negavam a Trindade, surgiu o Triteísmo.
Esta nova heresia discordava de partes do modalismo e subordinacionismo. Os triteístas criam na existência de três deuses ao invés de Um.

Origens na Antiguidade: A influência aristotélica
O triteísmo surgiu no século VI, em Alexandria, em torno de um caldeirão de debates filosóficos e teológicos. Seu principal formulador foi João Filopono, um filósofo neoplatônico e teólogo cristão da corrente monofisita, que acreditava que Cristo possuía uma única natureza divina [1].
Filopono, em sua tentativa de explicar a Trindade usando as ferramentas da lógica aristotélica, aplicou as categorias de gênero, espécie e indivíduo à Deus.
Ele argumentou que, assim como Pedro, Paulo e João são três indivíduos da mesma espécie (humanidade), o Pai, o Filho e o Espírito Santo seriam três indivíduos ou “substâncias particulares” (merikai ousiai) da mesma substância genérica de Deus [2].
Para Filopono e seus seguidores a única alternativa a essa visão seria cair no Sabelianismo, uma forma de Modalismo, que negava qualquer distinção real entre as Pessoas.

Críticas ao triteísmo de Filopono
Os pensamentos de Filopono foram rapidamente condenados por teólogos e estudiosos da época. A principal acusação contra Filopono é que sua teologia resultava em três divindades separadas, unidas apenas por uma natureza comum abstrata.
A controvérsia foi tão intensa que, no reinado do Imperador Justino II, os líderes do movimento triteísta foram formalmente banidos das escolas de pensamento da época. Entretanto, seus escritos acabaram deixando uma marca duradoura nos debates trinitários do Oriente da época [3].
Debate Medieval: Nominalismo e a lógica da Trindade
Após séculos de relativa dormência, a acusação de triteísmo ressurgiu com força na Idade Média, desta vez no Ocidente, através de Roscellin de Compiègne, um dos primeiros proponentes do Nominalismo.
O Nominalismo dizia que os universais, como “humanidade” ou “divindade”, não tinham existência real, sendo meros nomes ou conceitos. A realidade consistiria apenas em indivíduos particulares.
Pensamentos nominalistas na Trindade
Aplicando essa filosofia à Trindade, Roscellin argumentou que, se o Pai, o Filho e o Espírito Santo são realmente um só “ser” ou uma só “coisa” (una res), então seria impossível afirmar que apenas o Filho se encarnou.
Se Deus é uma única entidade, então o Pai e o Espírito Santo também teriam se tornado humanos juntamente com o Filho, uma heresia conhecida como Patripassianismo.
Para evitar essa conclusão, Roscellin propôs que as três Pessoas deveriam ser consideradas como três “coisas” distintas (tres res), assim como três anjos ou três almas, embora perfeitamente unidas em poder e vontade (Marenbon, 2007).
Santos Anselmo e suas críticas ao nominalismo
Santo Anselmo de Cantuária, seu principal opositor teológico, viu nisso uma clara declaração de triteísmo. Ele argumentou que a proposta de Roscellin destruía a unidade numérica da essência divina.
A controvérsia culminou no Concílio de Soissons, em 1092, onde Roscellin foi forçado a retratar-se de suas visões sob a ameaça de excomunhão [4].
Apesar dos pensamentos nominalistas de Roscellin terem sido silenciados, seus escritos influenciaram figuras importantes, como Guillem d’Occam, principal nome da filosofia nominalista.

Era Moderna: Debates católicos e protestantes
A chegada da Reforma Protestante e do Iluminismo gerou novas discussões sobre fé, razão e autoridade, trazendo de volta antigas polêmicas sobre a Trindade.
A “Batalha da Trindade” na Inglaterra
No final do século XVII, a Igreja Anglicana foi palco de um intenso debate público, que ficou conhecido como “A Batalha da Trindade”. De um lado, os unitaristas negavam a doutrina. Para combatê-los, um importante clérigo chamado William Sherlock publicou um livro em 1690.
Na sua obra, Sherlock tentou explicar a Trindade de uma forma que fosse mais fácil de entender. Ele descreveu o Pai, o Filho e o Espírito Santo como “três mentes infinitas distintas” ou “três seres inteligentes”.
Para ele, o que os unia como um só Deus era uma consciência mútua e uma unidade de vontade perfeitas, algo impossível para qualquer ser criado [5].
Teólogos, como Robert South, acusaram Sherlock de pregar abertamente o triteísmo. O conflito se transformou em um escândalo público, com a circulação de panfletos e sátiras que zombavam dos teólogos.
A situação ficou tão séria que o rei precisou intervir, proibindo que se pregasse sobre o assunto.

Acusações semelhantes no catolicismo
Um problema parecido ocorreu no contexto católico, tempos depois. O filósofo e padre austríaco Anton Günther tentou unir o idealismo alemão com a doutrina da Igreja. Para isso, ele descreveu a Trindade como sendo formada por três “autoconsciências” distintas.
O Vaticano, no entanto, considerou que essa ideia se aproximava perigosamente do triteísmo. Como resultado, todos os trabalhos de Günther foram colocados no Index Librorum Prohibitorum (a lista oficial de livros proibidos pela Igreja) em 1857 [6].
Pensamento Contemporâneo: Novas formulações e antigas críticas
A discussão sobre o triteísmo não ficou no passado. Ela continua nos dias de hoje, principalmente em relação a dois contextos: novos movimentos religiosos e uma corrente de pensamento teológico conhecida como “Trinitarismo Social”.
O mormonismo
Um dos exemplos mais conhecidos é a doutrina da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons). O Mormonismo ensina que Deus é composto por três seres fisicamente separados: Deus Pai, seu Filho Jesus Cristo, e o Espírito Santo.
Embora a Igreja Mórmon afirme que eles são perfeitamente “um” em propósito e glória, este pensamento quebra o entendimento ortodoxo da Trindade.
Apesar de muitos estudiosos mórmons negaram, sua doutrina se assemelha muito ao triteísmo ou até politeísmo, porque nega a ideia central da Trindade: a de que as três Pessoas compartilham uma única essência ou substância divina [7].

O “Trinitarismo Social” na Teologia Moderna
Na teologia protestante atual, uma ideia antiga chamada “Trinitarismo Social” voltou a ganhar força. Filósofos como William Lane Craig usam esse modelo para explicar a Trindade.
Eles propõem que a Trindade funciona como uma “sociedade” de três Pessoas divinas, onde cada uma possui sua própria consciência, mente e vontade.
Craig defende que isso não é triteísmo, pois, segundo ele, existe apenas um ser (Deus), que possui uma espécie de “alma” com três personalidades.
No entanto, muitos críticos não concordam. Eles argumentam que, ao dar a cada Pessoa as características de um indivíduo autônomo (como mente e vontade próprias), a ideia acaba, na prática, descrevendo três seres divinos.
Para eles, essa é apenas uma forma mais sofisticada de apresentar o velho conceito do triteísmo [8].

Crenças do Triteísmo
O triteísmo ensina que Deus Pai, Deus Filho e o Espírito Santo são três seres ou naturezas completamente separadas, indo contra a doutrina da Trindade. Abaixo descrevemos melhor as principais crenças desta heresia.
Três deuses deparados
Para quem acredita no triteísmo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são apenas “Pessoas” que formam um único Deus. Na verdade, eles seriam três Deuses individuais e autônomos que não se correlacionam. Cada um teria sua própria mente, sua própria vontade e seu próprio poder.
Uma união por acordo, não por natureza
Se eles são três Deuses, por que a Bíblia fala que Deus é um? A resposta do triteísmo é que a união deles não é porque são o mesmo Ser, mas porque eles têm a mesma vontade e o mesmo propósito. Eles compartilhariam essências e naturezas distintas
Eles formariam uma espécie de “equipe” ou “conselho” divino, que sempre age em perfeita harmonia. No entanto, essa união seria baseada em um acordo entre três seres. Em outras palavras, o “ser” de Deus estaria dividido; apenas o seu “agir” estaria unido.

“Deus” como um Tipo de Ser
Nessa doutrina, a palavra “Deus” deixa de ser o nome de um Ser único e passa a ser o nome de uma “categoria” ou “espécie”. A melhor forma de entender isso é com um exemplo: “ser humano” é uma categoria. Pedro, Paulo e João são três homens diferentes, mas todos pertencem à categoria “ser humano”.
Da mesma forma, os triteístas viam o Pai, o Filho e o Espírito Santo como três Deuses diferentes que pertencem à categoria “Deus” [8]. Isso transforma a palavra “Deus” em um simples título, em vez de se referir ao Criador único.
A ideia triteísta é uma tentativa de explicar a Trindade de forma lógica, mas que acaba destruindo a ideia de um Deus único.
Compreensões do Triteísmo e Trindade
A principal diferença entre o triteísmo e a doutrina da Trindade está na compreensão da unidade e distinção de Deus.
Devido a complexidade de Deus, é compreensível termos dificuldades para compreender sua natureza. Uma mente carnal é incapaz de entender plenamente a natureza de um Ser infinito, eterno e Supremo. Entretanto, a Bíblia nos dá base o suficiente para entender, mesmo que de forma limitada, que Deus é Um e ao mesmo tempo Três.
Abaixo apresentamos uma tabela comparando a heresia do Tristeísmo com a verdade Trinitária.
Característica | Doutrina do Triteísmo (Heresia) | Doutrina da Trindade (Ortodoxa) |
Natureza de Deus (Essência) | Três seres com naturezas e essências completamente separadas e distintas. | Um único ser com uma única e indivisível essência divina. |
Número de Deuses | Três Deuses individuais e autônomos. | Um só Deus. |
Tipo de União | Baseada em um acordo, com a mesma vontade e propósito (uma “equipe” ou “conselho”). | Baseada na partilha da mesma essência divina, em perfeita unidade e harmonia. |
Conceito da Palavra “Deus” | Um título para uma “categoria” ou “espécie” de ser (como “ser humano”). | O nome de um Ser único e indivisível. |
Relação entre as Pessoas | Não se correlacionam e podem ter vontades e propósitos potencialmente conflitantes. | Coiguais em poder e glória, e coeternas. A ação divina é coesa. |
Implicação Teológica | Politeísmo (adoração de três deuses). | Monoteísmo (adoração de um só Deus). |
Como o triteísmo pode surgir hoje?
Mesmo que a Igreja Cristã rejeite o triteísmo, algumas pessoas ou grupos podem adotar essa visão, mesmo sem querer, devido a uma compreensão incompleta da Trindade. Veja como isso pode acontecer:
Interpretação muito literal da Bíblia
Algumas pessoas leem as passagens bíblicas que falam do Pai, Filho e Espírito Santo de forma tão literal que os veem como entidades completamente separadas. Elas não conseguem entender a ideia de que Deus é um só, mas em três Pessoas, e acabam imaginando três Deuses.
Não entender as relações da Trindade
A Trindade ensina que há uma unidade profunda em Deus, mesmo que cada Pessoa tenha funções e relações distintas.
Quando alguém não entende essa conexão e interdependência, pode ver o Pai, o Filho e o Espírito Santo como três seres independentes, o que leva ao triteísmo.
Influência de ensinamentos diferentes
Certos grupos religiosos podem seguir ensinamentos que não são considerados tradicionais no cristianismo.
Se esses ensinamentos promovem uma visão triteísta, as pessoas que os seguem podem adotá-la sem saber que ela é contrária à doutrina principal da Igreja. (Um exemplo citado no texto anterior são os Mórmons, que adotam explicitamente essa teologia).

Exagerar a distinção entre as Pessoas
Algumas abordagens teológicas podem focar tanto em como o Pai, o Filho e o Espírito Santo são diferentes que, sem querer, acabam esquecendo ou negando que eles são um só Deus. Isso também pode levar a uma visão triteísta, onde cada um é tratado como um Deus separado.
Falta de conhecimento teológico
A ausência de um bom ensino e educação sobre a Trindade em algumas comunidades religiosas pode levar a uma compreensão superficial. Sem uma base sólida, os membros podem facilmente cair em ideias triteístas.
Etimologia e significado de triteísmo
O termo “triteísmo” é derivado de duas palavras gregas: tri (τρί), que significa “três”, e theos (θεός), “Deus”. Literalmente “crença em três deuses”.
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia.
[Vídeo] TRINDADE E TRITEÍSMO (em um minuto) pr. Alexandre Rubens. RHEMAFORTE OFICIAL.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca desta heresia que ainda possui influência em nosso presente.
O que é triteísmo na Bíblia?
O triteísmo não é uma doutrina encontrada na Bíblia. Pelo contrário, a Bíblia afirma consistentemente a crença em um único Deus (monoteísmo), como em Deuteronômio 6:4. A visão triteísta de três deuses é considerada uma interpretação que contradiz o ensinamento bíblico sobre a unidade de Deus.
Quem são os triteístas?
Triteístas são aqueles que acreditam que Pai, Filho e Espírito Santo são três deuses distintos. Historicamente, figuras como o filósofo João Filopono foram acusadas dessa crença. Modernamente, críticos aplicam o termo a grupos como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons).
O triteísmo é considerado uma heresia?
O triteísmo é universalmente considerado uma heresia pelo cristianismo histórico (católico, protestante e ortodoxo). A razão é que ele contradiz a crença fundamental em um único Deus (monoteísmo), transformando o cristianismo em uma forma de politeísmo, a crença em múltiplos deuses.
O que significa triteísta?
Triteísta é o termo usado para descrever uma pessoa ou doutrina que segue o triteísmo. Significa acreditar que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são um só Deus em três Pessoas, mas sim três deuses separados, cada um com sua própria natureza e ser.
Fontes
[1] Lang, U. M. (2017). John Philoponus and the Controversies Over Christ’s Two Natures. In The Oxford Handbook of Christology. Oxford University Press.
[2] Chapman, J. (1912). Tritheists. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company.
[3] Hanson, R. P. C. (1988). The Search for the Christian Doctrine of God: The Arian Controversy 318-381. T&T Clark.
Demais fontes
[4] Marenbon, J. (2007). Medieval Philosophy: An Historical and Philosophical Introduction. Routledge.
[5] Sherlock, W. (1690). A Vindication of the Doctrine of the Holy and Ever Blessed Trinity. London.
[6] Welte, B. (1863). Günther. In Wetzer und Welte’s Kirchen-Lexikon oder Encyklopädie der katholischen Theologie und ihrer Hülfswissenschaften. Herder.
[7] Givens, T. L. (2007). People of Paradox: A History of Mormon Culture. Oxford University Press.
[8] Tuggy, D. (2016). Trinity. In Stanford Encyclopedia of Philosophy.
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