O ultramontanismo foi um movimento político-religioso católico que ganhou força na primeira metade do século XIX, especialmente na França. Seu nome reflete a ênfase na centralidade de Roma e na autoridade do papa, contrapondo-se a movimentos locais que buscavam limitar o poder papal.
Neste artigo apresentamos um pouco da história deste movimento, seus impactos no catolicismo romano, suas características e as críticas levantadas sobre ele.
História do ultramontanismo
O ultramontanismo teve sua origem como resposta às diversas correntes que, entre os séculos XVII e XIX, buscaram limitar a autoridade do papa e transferir parte do poder eclesiástico para instâncias locais ou nacionais.
Movimento como o josefismo e o febronianismo no Sacro Império Romano-Germânico, o galicanismo na França e jansenismo no sul da Europa, marcaram uma sequência de movimentos que buscaram limitar a autoridade da Igreja Católica Romana sobre os estados europeus e o poder do papa sobre questões eclesiásticas.
Esses movimentos foram, em parte, herdeiros do conciliarismo, doutrina teológica desenvolvida durante o Cisma do Ocidente, que defendia que um concílio ecumênico da Igreja possuía autoridade superior à do papa.
A crise de autoridade papal durante esse período alimentou a ideia de que o governo da Igreja deveria ser colegiado e submetido ao controle de bispos e, por vezes, dos monarcas. [1]
Crescimento ultramontanismo após a Revolução Francesa
Com a Revolução Francesa em 1789 e a subsequente onda de secularização na Europa, o ultramontanismo ganhou força como reação às políticas antirreligiosas, à expropriação de bens eclesiásticos e à tentativa de submeter o clero ao controle do Estado.
A Constituição Civil do Clero de 1790, por exemplo, obrigava os bispos e padres a jurarem fidelidade ao governo revolucionário, provocando grande cisma interno na Igreja francesa. [2]
Nesse contexto, o ultramontanismo surgiu como um movimento conservador que buscava restaurar a autoridade papal, considerada a única capaz de manter a unidade da fé católica diante do avanço do liberalismo, do racionalismo iluminista e do protestantismo.

Consolidação no século XIX
O ultramontanismo ganhou força principalmente durante o pontificado do Papa Pio IX (1846–1878). Um dos momentos mais marcantes foi em 1864, com a publicação do Syllabus Errorum (“Lista de Erros”), onde a Igreja condenou várias ideias do mundo moderno, como o secularismo, o liberalismo e a separação entre Igreja e Estado.
O ponto mais alto desse movimento foi o Concílio Vaticano I. Nesse concílio, foi proclamado o dogma da infalibilidade papal, ou seja, que o papa, quando fala oficialmente sobre fé e moral, não pode errar. [3]
Essa decisão foi fortemente influenciada pelos defensores do ultramontanismo e marcou a vitória da autoridade central do papa sobre outras ideias que queriam uma Igreja mais descentralizada.
Depois do Vaticano I, o ultramontanismo passou a ser a visão dominante na Igreja Católica. Isso continuou até o século XX, quando o Concílio Vaticano II buscou equilibrar mais a autoridade do papa com o trabalho conjunto dos bispos. Assim, algumas características mais centralizadoras herdadas do ultramontanismo foram suavizadas.
Principais pensadores do ultramontanismo
O ultramontanismo teve entre seus principais representantes, líderes católicos influentes que moldaram seu desenvolvimento intelectual e popular no século XIX.
Esses líderes defendiam a centralizam do poder civil e eclesiástico na Igreja Católica Romano, e também foram grandes críticos do protestantismo e das várias denominações que surgiram a partir dele.
Dentre os principais pensadores do ultramontanismo, podemos citar:
- Joseph de Maistre;
- Louis Veuillot;
- Emmanuel d’Alzon;
- Hugues-Félicité de Lamennais.
Joseph de Maistre
Um dos nomes mais importantes foi Joseph de Maistre, filósofo e diplomata originário do Ducado de Saboia. De Maistre foi um crítico ferrenho da Revolução Francesa e um defensor ardente do poder absoluto tanto dos monarcas quanto do papa. [4]
Em suas obras, como Du Pape (1819), argumentava que o papado era uma instituição divina e necessária para garantir a ordem e a unidade da sociedade, atribuindo ao papa uma autoridade quase infalível, mesmo antes da definição dogmática da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I. [4]

Louis Veuillot
Louis Veuillot foi um jornalista e escritor francês que usou sua posição como editor do influente jornal L’Univers para popularizar o ultramontanismo entre os católicos comuns. Veuillot não era teólogo, mas sua habilidade como polemista e sua intransigência contra o liberalismo católico o tornaram um dos principais defensores da autoridade papal frente aos movimentos de modernização da Igreja. [2]
Ele acreditava na submissão total ao papa e combatia qualquer forma de autonomia episcopal ou influência secular sobre os assuntos eclesiásticos.
Emmanuel d’Alzon
Também importante foi Emmanuel d’Alzon, sacerdote francês e fundador da Congregação dos Agostinianos da Assunção (Assuncionistas). D’Alzon via no papa a fonte de unidade da fé católica e trabalhou incansavelmente para restaurar a influência da Igreja na sociedade francesa pós-revolucionária. [5]
Seu pensamento foi marcado por uma espiritualidade ativa, voltada para a educação, a missão e a imprensa, sempre sob a inspiração do primado de Roma.
Hugues-Félicité de Lamennais
Por fim, destaca-se Hugues-Félicité de Lamennais, figura complexa na história do ultramontanismo. Inicialmente um fervoroso defensor da autoridade papal, Lamennais ajudou a fundar o periódico L’Avenir, no qual promovia uma Igreja livre do controle estatal, mas fiel a Roma. [6]
No entanto, à medida que suas ideias se tornaram mais liberais e defensoras da liberdade de consciência e da separação entre Igreja e Estado, ele entrou em choque com o papado. Suas posições foram condenadas na encíclica Mirari Vos (1832), do papa Gregório XVI, e ele acabou rompendo com a Igreja institucional. [6]

Críticas ao ultramontanismo
Embora o ultramontanismo tenha sido muito bem aceito dentro do Vaticano e dos altos cargos eclesiásticos da Igreja Católica Romana, o movimento recebeu muitas críticas de teólogos católicos e líderes de estados que possuíam o catolicismo como religião oficial.
Algumas dessas críticas estavam relacionadas ao movimentos de secularismo e do nacionalismo que vinham surgindo na Europa. Entretanto, a maior parte das críticas estavam relacionadas ao poder exacerbado que o papado mantinha, assim como a doutrina da infalibilidade papal.
Centralização excessiva da autoridade eclesiástica
Uma das críticas mais recorrentes ao ultramontanismo diz respeito à sua insistência em concentrar o poder religioso no papado, em detrimento da autonomia das igrejas locais e seus líderes.
Líderes de paróquias locais argumentavam que essa centralização enfraquecia o papel dos bispos e dos sínodos regionais, além de reduzir a diversidade pastoral e teológica dentro da própria Igreja.
Teólogos ligados a tradições como o galicanismo na França, o febronianismo e o josefismo viam essa submissão irrestrita a Roma como um empobrecimento da vida eclesial.
Segundo o historiador Émile Poulat, essa tendência centralizadora favoreceu um “romanocentrismo” que muitas vezes sufocou as iniciativas pastorais locais e desencorajou o desenvolvimento de uma teologia mais encarnada nas realidades sociais e culturais específicas de cada país. [7]

Instrumentalização política e tensões com os Estados emergentes
O ultramontanismo também foi criticado por se colocar como um obstáculo à construção de Estados que vianham surgindo na Europa. Estados esses que seguiam ideais de laicidade, influenciados pelo protestantismo, e democracia.
O chanceler do Império Alemão, Otto von Bismarck, via este moovimento como uma ameaça à soberania nacional, temendo que os católicos fossem mais leais ao papa do que ao Estado. [8]
Durante o período entre 1871 e 1887, leis anticlericais foram aprovadas para reduzir a influência da Igreja Católica do Império Alemão. Dentre essas leis, estão, a expulsão de ordens religiosas, o fechamento de seminários e a imposição de controle estatal sobre nomeações episcopais. [8]
Intolerância e fechamento a influências estatais
Muitos intelectuais católicos liberais criticaram o ultramontanismo por favorecer uma atitude de hostilidade ao mundo moderno, especialmente no que diz respeito à liberdade de consciência, ao pensamento científico e à participação democrática.
Para eles, o movimento promoveu uma visão retrógrada e defensiva da fé, baseada mais na negação do erro do que no engajamento criativo com as transformações culturais do século XIX.
Teólogos como Lamennais, que inicialmente apoiaram o ultramontanismo, acabaram rompendo com ele justamente por perceberem sua tendência à intolerância e à repressão do pensamento livre dentro da própria Igreja. [9]
A publicação do Syllabus Errorum em 1864, sob o pontificado de Pio IX, se tornou umas das principais obras em combate ao ultramontanismo. [9]
O documento condenava diversas proposições ligadas ao liberalismo, ao racionalismo e à separação entre Igreja e Estado, sendo visto por muitos como uma tentativa de isolar a Igreja de qualquer diálogo com a modernidade. [9]

Aprenda mais
[Vídeo] Estado laico | características e formas de manifestação – Brasil Escola. Brasil Escola Oficial.
[Vídeo] Ultramontanism and Anticlericalism | History. Alloprof.
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste movimento católico.
O que significa catolicismo ultramontano?
O termo ultramontano foi usado pelos galicanos franceses, que buscavam manter uma igreja independente do poder papal, para designar os defensores das doutrinas romanas que acreditavam ser necessário abdicar dos privilégios da Gália em prol da autoridade do papa, chamado de “cabeça” da Igreja, que residia “além dos montes”.
Fontes
[1] Oberman, H. A. The Harvest of Medieval Theology: Gabriel Biel and Late Medieval Nominalism. Grand Rapids: Baker Academic, 1994.
[2] McManners, J. The French Revolution and the Church. London: SPCK, 1999.
[3] Denzinger, H. O Magistério da Igreja: Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações de Fé e Moral. 43ª ed. São Paulo: Paulinas, 2012.
[4] Maistre, Joseph de. Du Pape. Lyon: Rusand, 1819.
[5] Dufay, Charles. Emmanuel d’Alzon: Apôtre du Christ et de l’Église. Paris: Fayard, 1965
[6] Chadwick, Owen. The Popes and European Revolution. Oxford: Clarendon Press, 1981.
[7] Poulat, Émile. Catholicisme, démocratie et socialisme: Les enjeux du XXe siècle. Paris: Éditions du Cerf, 1977.
[8] Blackbourn, David. The Long Nineteenth Century: A History of Germany, 1780–1918. Oxford: Oxford University Press, 1998.
[9] Vidler, Alec R. The Church in an Age of Revolution. London: Penguin Books, 1961.
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