O febronianismo foi um movimento teológico e eclesiástico que surgiu no século XVIII, principalmente no Sacro Império Romano-Germânico, com o objetivo de limitar a autoridade papal e promover a autonomia das igrejas nacionais em relação a Roma.
Inspirado pelo galicanismo francês e pelo jansenismo, o febronianismo defendia a supremacia dos concílios gerais sobre o Papa e a descentralização do poder eclesiástico, alinhando-se aos interesses de príncipes seculares que buscavam maior controle sobre a Igreja em seus territórios.
O movimento, embora de curta duração, teve impacto significativo nas discussões sobre a relação entre Igreja e Estado no contexto do Iluminismo.
Neste artigo apresentamos um pouco de sua história e impacto na teologia cristã.
Origem e história do febronianismo
O febronianismo surgiu a partir do livro “Sobre o Estado da Igreja e o Poder Legítimo do Pontífice Romano”, escrita por Johann Nikolaus von Hontheim em 1763, bispo auxiliar de Tréveris, sob o pseudônimo de Justinus Febronius. [1]
O livro defendia uma reforma da Igreja Católica, propondo um equilíbrio entre a autoridade do Papa, o poder dos bispos e a influência dos governantes seculares. [1]
Estabelecimento do movimento no Sacro Império Romano-Germânico
O febronianismo se desenvolveu no Sacro Império Romano-Germânico, em um período marcado por tensões entre o papado e as monarquias católicas.
Após o Concílio de Trento, a Contrarreforma reforçou a centralização papal, limitando a autonomia dos príncipes católicos e bispos locais em questões como nomeações episcopais e administração de bens eclesiásticos. [2]

Esse cenário foi agravado pelo avanço das ideias iluministas, que promoviam a soberania estatal e a racionalização das instituições, desafiando a jurisdição universal do Papa. [2]
O movimento foi influenciado pelo galicanismo francês, que restringia a autoridade papal na França em favor do rei e do clero local, e pelo Jansenismo, que defendia um rigorismo teológico e uma visão menos hierárquica da Igreja. [3]
Hontheim, inspirado por essas correntes, argumentava que o primado papal deveria ser entendido como uma primazia de honra, e não de jurisdição absoluta, devolvendo maior poder aos bispos e aos príncipes seculares. [3]
Recepção pelos príncipes e bispos alemães
O febronianismo encontrou apoio significativo entre príncipes e bispos alemães, especialmente aqueles que buscavam maior controle sobre a Igreja em seus territórios. A obra de Hontheim foi amplamente debatida, mas também enfrentou forte oposição do papado. [1]
Repreensão papal
Em 1764, o Papa Clemente XIII condenou o livro, colocando-o no Index Librorum Prohibitorum, o que intensificou os conflitos entre Roma e os defensores do febronianismo. [1]
Apesar da repressão, as ideias febronianas influenciaram reformas eclesiásticas no Sacro Império, como a tentativa de estabelecer uma Igreja nacional mais autônoma, e ecoaram em movimentos posteriores, como o Josephinismo no Império Austríaco. [2]
No entanto, com o fortalecimento do ultramontanismo no século XIX, que reafirmava a autoridade papal, o movimento perdeu força. [2]

Princípios do febronianismo
O febronianismo baseava-se em uma visão conciliarista e descentralizada da Igreja, inspirada em ideias medievais do Concílio de Constança (1414-1418).
Os principais pontos da doutrina, conforme articulados por Febronius, incluíam:
- Supremacia dos concílios gerais;
- Autonomia dos bispos;
- Limitação do poder papal;
- Intervenção do poder secular.
Supremacia dos Concílios Gerais
O febronianismo defendia que a autoridade suprema da Igreja Católica reside nos concílios gerais, que reúnem bispos de toda a cristandade e representam a Igreja universal.
Essa visão, enraizada no conciliarismo do século XV, considerava o Papa como uma figura de primazia honorífica, sem jurisdição absoluta sobre a Igreja. [1]
Hontheim argumentava que os concílios, como o de Constança (1414-1418), tinham precedência sobre o Papa em questões doutrinárias e administrativas, limitando o poder papal e promovendo uma governança colegiada.
Essa proposta desafiava diretamente a visão ultramontana, reforçada pelo Concílio de Trento (1545-1563), que centralizava a autoridade em Roma.

Autonomia dos bispos
Segundo o Febronianismo, os bispos possuem autoridade divina própria, conferida diretamente por Cristo, e não derivada do Papa.
Essa concepção teológica enfatizava que os bispos não eram meros delegados papais, mas líderes com jurisdição legítima em suas dioceses, tanto em questões espirituais quanto administrativas. [3]
Hontheim propunha que as decisões papais não poderiam sobrepor-se às dos bispos em assuntos locais, como a administração de sacramentos ou a gestão de clérigos. [3]
Esse princípio encontrou apoio entre bispos alemães que buscavam maior independência em relação às ingerências romanas, especialmente em nomeações episcopais e disputas jurisdicionais. [3]
Limitação do poder papal
O febronianismo redefinia o papel do Papa como um primus inter pares, cuja função era coordenar e unir a Igreja, mas sem exercer domínio absoluto sobre as igrejas locais. Hontheim argumentava que o primado papal deveria respeitar os costumes, tradições e direitos das igrejas nacionais, promovendo uma Igreja mais descentralizada. [2]
Essa visão contrastava com a crescente afirmação da infalibilidade papal e da jurisdição universal de Roma, defendidas pelos jesuítas e pela Cúria Romana.
O princípio também refletia influências iluministas, que valorizavam a racionalidade e a autonomia das instituições locais frente a poderes centralizados. [2]
Intervenção do poder secular
Um dos aspectos mais controversos do febronianismo era a defesa do direito dos governantes seculares de supervisionar a administração da Igreja em seus territórios. Isso incluía a nomeação de bispos, a gestão de bens eclesiásticos e a resolução de disputas entre clérigos. [4]
Inspirado pelo galicanismo francês, que dava ao rei controle significativo sobre a Igreja na França, Hontheim via os príncipes católicos do Sacro Império como protetores da Igreja local, capazes de contrabalançar a influência romana. [4]
Esse princípio alinhava-se com as ideias iluministas de soberania estatal e encontrou eco entre príncipes alemães que desejavam consolidar seu poder político e econômico, mas gerou forte oposição do papado, que via nisso uma ameaça à sua autoridade espiritual. [4]

Resistência papal e declínio do febronianismo
O febronianismo enfrentou forte oposição do papado, que via suas ideias como uma ameaça à unidade da Igreja Católica. Em 1764, o Papa Clemente XIII condenou a obra de Febronius, colocando-a no Índice de Livros Proibidos.
A retratação parcial de Hontheim em 1778 enfraqueceu o movimento, mas suas ideias continuaram a circular entre bispos e príncipes reformistas. [5]
O declínio do febronianismo ocorreu no final do século XVIII, com a ascensão do ultramontanismo, que reforçava a autoridade papal, e com as mudanças políticas trazidas pela Revolução Francesa (1789-1799) e pelas guerras napoleônicas, que redesenharam as estruturas políticas e eclesiásticas da Europa. [5]
A Concordata de 1801, entre Napoleão e o Papa Pio VII, e o Primeiro Concílio Vaticano (1869-1870), que proclamou a infalibilidade papal, marcaram o fim definitivo das aspirações febronianas, consolidando a centralização da autoridade papal. [5]

Legado do febronianismo
O febronianismo teve um impacto significativo no debate sobre a relação entre Igreja e Estado no século XVIII. Ele contribuiu para a secularização das instituições eclesiásticas no Sacro Império e inspirou movimentos reformistas em outras regiões católicas, como o jansenismo na França e o josefismo na Áustria.
Suas ideias também influenciaram a formação de igrejas nacionais em alguns contextos, como a Igreja Católica Velha na Holanda, que rejeitava a autoridade papal. [6]
Embora o movimento tenha sido eclipsado pelo ultramontanismo no século XIX, suas ideias sobre a descentralização eclesiástica e o papel dos concílios gerais deixaram um legado duradouro nos debates sobre a organização da Igreja Católica. [6]
O movimento também reflete as tensões do Iluminismo entre tradição religiosa e soberania estatal, antecipando discussões modernas sobre a separação entre Igreja e Estado. [6]
Aprenda mais
[Vídeo] Teológico | Bíblia & Teologia
[Vídeo] Febronianism | Wikipedia audio article
Perguntas comuns
Nesta seção apresentamos as principais perguntas, com suas respectivas respostas, acerca deste termo.
Quem foi o criador do Febronianismo?
O febronianismo foi fundado por Johann Nikolaus von Hontheim, bispo auxiliar de Trier, que publicou suas ideias sob o pseudônimo Justinus Febronius na obra De Statu Ecclesiae et Legitima Potestate Romani Pontificis (1763). Ele argumentava que a autoridade dos bispos derivava diretamente de Deus, e não do Papa, e que os concílios regionais deveriam ter maior poder
Qual era o objetivo principal do Febronianismo?
O principal objetivo do febronianismo era limitar o poder do Papa e da Cúria Romana, promovendo uma Igreja Católica mais descentralizada. O movimento defendia a supremacia dos concílios regionais sobre o Papa e maior autonomia para as igrejas locais, além de buscar a reconciliação com igrejas cristãs dissidentes, como as protestantes
Como o febronianismo está relacionado ao galicanismo?
O febronianismo é frequentemente comparado ao galicanismo, um movimento francês que também buscava limitar a autoridade papal e fortalecer o controle das igrejas nacionais. Ambos partilhavam a visão de uma Igreja menos centralizada e mais subordinada às autoridades locais, embora o febronianismo tenha se desenvolvido no contexto alemão e com influências específicas, como as ideias de Hontheim
Quais foram os principais eventos associados ao Febronianismo?
Um evento marcante foi a publicação da Pontuação de Ems (1786), um documento com 23 artigos elaborado por arcebispos alemães (de Trier, Mogúncia, Colônia e Salzburgo) que exigiam maior autonomia episcopal, a revogação da jurisdição dos núncios papais e reformas litúrgicas e pastorais. Outro exemplo foi a aplicação rigorosa do febronianismo na Áustria sob José II, que implementou medidas como a supressão de ordens religiosas e a proibição de contato direto dos bispos com Roma.
Fontes
[1] Printy, M. (2009). Enlightenment and the Creation of German Catholicism. Cambridge: Cambridge University Press.
[2] Whaley, J. (2012). Germany and the Holy Roman Empire: Volume II: The Peace of Westphalia to the Dissolution of the Reich, 1648-1806. Oxford: Oxford University Press.
[3] Sorkin, D. (2008). The Religious Enlightenment: Protestants, Jews, and Catholics from London to Vienna. Princeton: Princeton University Press.
[4] Hontheim, J. N. (1763). De Statu Ecclesiae et Legitima Potestate Romani Pontificis. Frankfurt.
[5] Aston, N. (2000). Religion and Revolution in France, 1780-1804. Washington, D.C.: Catholic University of America Press.
[6] Van Kley, D. K. (1996). The Religious Origins of the French Revolution. New Haven: Yale University Press.
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